domingo, julho 24, 2011

"News of the World" — o dia seguinte


O fim do tablóide News of the World desencadeou muitas reacções televisivas que parecem decorrer de uma patética cegueira em relação aos valores correntes do próprio meio televisivo. Afinal, de que falamos quando falamos de linguagem? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 de Julho), com o título 'Murdoch e os outros'.

Subitamente, descobrimos que o espírito de muitas notícias televisivas sobre os escândalos que conduziram ao encerramento do tablóide inglês News of the World é de profunda condenação. Antes mesmo dos comentários, essas notícias (em Portugal e noutros países) exprimem um sentimento de repúdio, de nojo mesmo, pela degradação jornalística protagonizada pelo jornal do império de Rupert Murdoch [foto].
O fenómeno é de tal ordem que só parece explicável por uma de duas hipóteses: os autores de tais notícias são infantilmente distraídos ou, então, apoteoticamente hipócritas. Porquê? Porque, hoje em dia, muitas formas de informação televisiva (e não só, hélas!) integraram alguns genuínos princípios da imprensa tablóide.
Que princípios? Cito três dos mais agressivos e envolventes: primeiro, uma fulanização anedótica de muitos dados da vida dos indivíduos e das colectividades; depois, uma exploração sistemática do “escândalo” ou da “catástrofe” como matrizes de leitura de qualquer situação social ou política; enfim, uma promoção delirante do fait divers a padrão nuclear da actualidade. Na prática, isto significa algo de muito concreto: a explosão do motor de um barco de recreio na lagoa de Alguidares de Baixo pode ter direito a mais tempo e maior evidência que uma qualquer intervenção de Barack Obama num forum internacional...
Note-se: ninguém está a sugerir (muito menos a insinuar) que os protagonistas desse jornalismo televisivo praticam os mesmos abusos consumados por alguns funcionários de Murdoch. A questão, como sempre, é de outra natureza. Envolve algo que, por princípio, muitos jornalistas televisivos recusam pensar. A saber: as linguagens que utilizam. Ou seja: ninguém duvida que o motor do barco explodiu mesmo...