quinta-feira, junho 23, 2011

"Viagem a Portugal": realismo ou ficção científica?


Que fazer com uma actriz capaz de se transfigurar num "bicho" de emoções contidas? Que fazer com uma outra actriz capaz de se "retirar" do próprio corpo, deixando apenas à vista a aridez de um olhar que não vê? Que fazer com Maria de Medeiros e com Isabel Ruth?
O filme Viagem a Portugal, de Sérgio Tréfaut, não tem, infelizmente, resposta a estas perguntas. Ao encenar o caso verídico de uma cidadã ucraniana que se viu bloqueada na teia da burocracia portuguesa (quando, em 1998, por altura da Expo, tentava reunir-se com o marido), o filme vai-se enquistando no seu próprio formalismo, pelo caminho alienando as suas actrizes.
O recurso à fotografia a preto e branco joga-se no "efeito-bandeira" que domina todo o filme: as imagens são bandeira de uma prova "acrescida" de real (menos cor = mais verdade), do mesmo modo que a acção é prova de uma culpa que devemos assumir (Portugal recebe, ou recebia, mal os estrangeiros).
O mais desconcertante é que parece haver aqui uma vontade de realismo que tende para uma ostentação formal bizarra, dir-se-ia de ficção científica. Como se se tratasse apenas de confirmar uma "mensagem" mecanicista, em boa verdade decidida desde o arranque do filme. Além do mais, nunca, em nenhum momento, qualquer outro elemento do elenco consegue disfarçar a sua inoperância dramática face à presença das duas actrizes principais.