O yin e o yang. O côncavo e o convexo. O mundo à nossa volta. A vida... Ideias e palavras que, somadas a uma mão cheia de magníficas canções e todo um espantoso aparato visual fizeram da noite de ontem um momento certamente inesquecível para quem, no lisboeta Coliseu dos Recreios, assistia ao concerto que encerrou a digressão que acompanhou o lançamento do mais recente disco de Sufjan Stevens. Concerto? A palavra aqui pode soar a coisa pouca perante o que foi uma absolutamente coerente expressão de uma visão que, partindo da lógica de experimentação do som que conduziu a composição de The Age Of Adz, e procurando depois seguir por caminhos que não os das pequenas narrativas que caracterizam a canção folk (onde o músico encontrou uma das suas primeiras escolas), atinge agora em palco uma expressão que cruza música, encenação, pequenos monólogos, sob a presença de um constante fluxo de imagens. Imagens que não se esgotam nas projecções lançadas sobre o palco e que, como a tradição do teatro musical há muito sugere, podem morar também nos objectos (e roupas) que vestem quem está em cena.
Foi com umas esbeltas asas de cisne que Sufjan Stevena abriu a noite, mais à frente vestindo um bizarro traje feito de balões, num outro exalando pontos de luz. Essencialmente centrado no álbum The Age Of Adz, o alinhamento do concerto seguiu uma sucessão de quadros visualmente consequentes, acrescentando cada ponto um conto a uma noite que, mesmo sem uma medula narrativa a segurar pontas, deixou claros quais os temas caros ao músico. De um interesse partilhado pelo universo do espaço (a meio da noite não faltando a dedicatória ao artista que inspirou as visões que vimos e escutámos) ao amor (e depois de ver o novo filme de Malick fica clara aqui uma interessante afinidade na forma de o entender como a essência que comanda a vida), a noite revelou em Sufjan Stevens um cativante comunicador.
Se a tudo isto somarmos canções como Futile Devices, Too Much, Age Od Adz, I Walked ou Vesuvius, deixando os “mimos” para o encore (onde não faltou Chicago), uma multidão bem arrumada de 11 músicos em cena e o momento certo para viver aquele instante temos, como se viu, os ingredientes certos para o “concerto” certo. A bordo de uma nave imaginária (como o próprio descreveu a sala), viajámos até longe, respirámos experiências intensas. Ninguém terá regressado igual...
Sobre a arte de ser espectador
Por várias vezes já aqui falámos, no Sound + Vision, sobre o que é ser espectador. Coisa que, de certa forma, pede uma arte. Como se um espelho fosse colocado sobre o palco, olhando assim modos de estar que deveriam estar em sintonia ali e na plateia. Não foi o que aconteceu no Coliseu. Sobretudo na etapa em que o músico explicava quem foi Royal e como esse artista inspirou as ideias que o conduziram a The Age Of Adz. No mais básico hooliganês “toca lá e cala-te” houve quem não respeitasse nem o músico nem os que o escutavam, berrando, interrompendo... Educado, Sufjan mesmo assim aplaudiu no fim os espectadores. Mas à saída tanto se falava da excelência do concerto como da falta de maneiras de quem numa plateia não sabe morar... Quem não quer músicos a falar em cena, quem não sabe viver entre iguais, fique em casa e carregue no botão play sozinho. Passa logo para a música seguinte, não incomoda ninguém... E a coisa sempre sai mais barata que o bilhete, mais o jantar, mais os transportes...