terça-feira, junho 07, 2011

Na hora do optimismo

Michael Tilson Thomas
N.G.: Belíssima, em todos os sentidos, a escolha da Sinfonia Nº 2 de Mahler para o concerto de encerramento da temporada 2010/11 da Gulbenkian (Coliseu). Não apenas pelo sentido de esperança renovada que a música transporta, sobretudo num momento em que o quotidiano de todos nós vive um tempo mais de sombras que de luzes. Mas também porque assinala um momento de optimismo na descoberta de novos (e bem interessantes) caminhos que a temporada que agora termina tão bem sugeriu e que a entusiasmante programação já anunciada da próxima agora promete.

Foi um tempo de mudança, mas sem perda de identidade (ou das suas marcas características) o que o último ano nos deu a ver e ouvir entre os palcos por onde passou a temporada de música da Gulbenkian, da qual não foram poucos os momentos de excepção entre os quais podemos apontar a estreia nacional da ópera A Flowering Tree de John Adams, um Passio de Arvo Pärt ou duas inesquecíveis noites com a Los Angeles Philharmonic, sob a direcção de Gustavo Dudamel. Isto sem esquecer a boa aposta que representou a programação de transmissões de óperas do Met com tecnologia de alta definição.

A espantosa interpretação da Sinfonia Nº 2 de Mahler pela San Francisco Symphony e por um irrepreensível Coro Gulbenkian, sob uma notável direcção de Michael Tilson Thomas (e as presenças das vozes de Laura Claycomb e Katarina Karnéus), representou o perfeito episódio final de um ano brilhante. Se esta obra de Mahler mora hoje entre os momentos maiores da história da música sinfónica (é como se todo um mundo de referências ali confluísse e todo um outro de heranças dali partisse), a direcção tranquila, atenta e sensível de Thilson Thomas teve em conta o acentuar de uma multidão de detalhes, dos instantes de intensidade maior às periferias do silêncio por onde esta música passa a dados instantes. Coro, vozes solistas e orquestra em perfeita comunhão de sentidos sob os gestos suaves, mas decididos, da direcção do maestro. E no final a certeza de termos visto uma interpretação de absoluta excelência.

Mahler
J.L.: O final da temporada Gulbenkian sob o signo de Gustav Mahler (1860-1911) não podia ter sido simbolicamente mais feliz e também mais conciso. Por um lado, porque a obra de Mahler foi uma referência transversal que, ao longo dos meses, marcou concertos, atraiu cumplicidades e sugeriu contaminações; por outro lado, porque a herança mahleriana ecoa uma visão criativa em que passado e futuro, memória e experimentação, se enredam num jogo calculado (não poucas vezes singularmente lúdico) que nos recoloca na fascinante pluralidade do presente. Dir-se-ia que Mahler, um pouco como Orson Welles no cinema, detém esse poder de nos confrontar sempre com um mais além das possibilidades criativas: há nele um risco experimental que nunca fecha os olhos a nenhuma forma de herança artística. Foi bom poder testemunhar o impacto de tudo isso num Coliseu praticamente cheio, a provar que a formatação televisiva das mentes ainda não conseguiu aniquilar todas as formas clássicas de fruição.

>>> GULBENKIAN: temporada 2011/2012 (calendário).