Um dos sintomas mais reveladores da decadência cinéfila (em que vivemos) é a proliferação de tops. Escusado será dizer que a cinefilia clássica sempre cultivou o gosto das listas e a celebração dos "melhores de sempre" (filmes, realizadores, actores, etc., etc.). Em todo o caso, aquilo a que assistimos agora é um fenómeno de natureza bem diferente. Confunde-se com a banalização anedótica de qualquer modelo de valoração: das "melhores personagens carecas" aos filmes com "finais mais deprimentes", tudo é possível (e os exemplos não são inventados).
Agora, temos um caso francamente delirante: "os-grandes-filmes-demasiado-penosos-para-serem-vistos-duas-vezes"!!! [A.V.Club]. Por incontornável curiosidade mórbida, vale a pena referir que um desses filmes é A Paixão de Joana D'Arc (1928), de Carl Th. Dreyer...
Poderá dizer-se que os elementos para sustentar as escolhas (a "violência" das situações, a "dificuldade" da narrativa, etc.), sendo banais, não deixam de decorrer da mais honesta racionalidade dos proponentes. Sem dúvida. Mas não é isso que, aqui, se discute — é, isso sim, a própria grelha de leitura que se aplica à pluralidade do universo cinematográfico.
Tudo se passa como se o cinema não fosse um universo específico, distinto pela especificidade das suas linguagens, mas apenas uma coisa pitoresca que pode ser enquadrada e pensada em função de qualquer forma ridícula de impressionismo... Que vem a seguir? "Os filmes em que nos apeteceu fumar um cigarro, mas não tínhamos fósforos"? "Os filmes que nos fazem lembrar as férias que tivemos quando o pai comprou o carro novo"? "Os filmes que vimos segunda vez porque entrámos na sala errada"?