domingo, maio 15, 2011

Televisão, futebol e... José Sócrates

Nas televisões portuguesas, já não se pode perder em futebol sem que isso arraste um verdadeiro clima de catástrofe — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 de Maio), com o título 'Futebol e civilização'.

1. Pensávamos que a crise económica era o nível final do inferno mediático? Desesperados, já não sabíamos como lidar com todas as formas de histeria telepolítica? O certo é que nada nos preparara para o apocalipse que nos caiu na sopa na quinta-feira, dia 5 de Maio, prolongando-se por um horrendo fim-de-semana. Afinal, que monstruosidade abalava as bases da nossa civilização?
As televisões encarregaram-se de nos esclarecer: o Benfica tinha sido eliminado da Liga Europa!!! Estou a brincar? Bem gostava... Mas, na maior parte dos seus discursos “informativos”, as televisões levam tudo isto muito a sério. Já nem falo da lamentável desvalorização a que é sujeita qualquer equipa “secundária” (neste caso o Sp. De Braga) que tenha o arrojo de derrotar um dos “grandes” (o Benfica ou qualquer outro, eis o que é totalmente indiferente para a questão de linguagem mediática que aqui se refere). Falo, sobretudo, da tristeza mental e da inanidade moral que encena uma coisa banal em qualquer desporto (a saber: uma derrota) como um tsunami de vergonha que vem pôr em causa tudo e todos, desde a dignidade dos clubes até à estabilidade da mais anónima família.
E atenção: é irrelevante que a mesma visão catastrofista seja favorecida por personalidades do futebol, em particular alguns dirigentes. Ninguém pretende descrever o futebol como uma paisagem angelical. Acontece que as televisões têm uma responsabilidade social que passa (ou pode passar) pela desdramatização de tudo aquilo que, no futebol, é sistematicamente apresentado como pretexto de rupturas e conflitos. Em boa verdade, parece que quase todos esqueceram que em cada jogo só pode haver um vencedor...

2. No programa Nico à Noite (RTP1), Nicolau Breyner recebe José Sócrates e... conversa. Apenas isso. Não é todos os dias que descobrimos alguém que se dirija a um político, assim, sem lançar duas armadilhas por cada três palavras. O que choca é que a atitude serena de Nicolau Breyner seja a excepção. E que, para muitos, corresponda a uma cedência. Porquê? Porque mesmo as mais básicas formas de inteligência se tornaram televisivamente suspeitas.