segunda-feira, maio 23, 2011

Novas edições:
Lady Gaga, Born This Way


Lady Gaga
“Born This Way”
Interscope Records
2 / 5

Em primeiro lugar alguns factos. Porque foi com factos (e os números que deles decorreram) que Lady Gaga se fez a maior estrela pop planetária nascida na década dos zeros. Entre 2008 e 2010 somou milhões de discos vendidos e às plateias dos 201 concertos da Monster Ball Tour levou multidões. Na era da fragmentação dos consumos, da criação de pequenos ícones para as mais variadas famílias de gostos e tribos, Lady Gaga destoou e fez-se fenómeno com a dimensão mainstream das estrelas de outros tempos. Aliou uma poderosa ideia de pop vitaminada com uma pulsão dançável e alma electro a um discurso promotor do direito à diferença. Clamou pelos direitos dos que os não tinham, deu voz a um discurso político, usou o mediatismo como arma activista. Resultado? Com as ferramentas que o poder do sucesso lhe colocou nas mãos construiu um ícone feito de canções irresistíveis, um mundo inventivo de imagens e uma mão cheia de ideias com sentido... Mas Lady Gaga não quis ir de férias. E contra o que são os actuais ciclos de vida na música pop (com álbum e digressão a talhar etapas de dois a três anos, com pequena pausa a seguir), resolveu avançar para um segundo álbum ainda os ecos das canções do primeiro (e do EP The Fame Monster que lhe seguiu) a ressoar pelo planeta fora... Começou, em Fevereiro, por revelar em Born This Way uma canção em evidente lógica de continuidade na linha pop dançável de um Bad Romance. Insistiu no mesmo comprimento de onda quando, meses depois, revelou em Judas um novo achado pop bem talhado à sua imagem (transportando para o espaço da canção as sugestões de um misticismo emergente que se manifestara já nos telediscos de Alejandro e Born This Way)... Mas depois dos dois aperitivos, que pareciam indiciar um seguro sucessor de um álbum de estreia invulgarmente bem sucedido, chegou, como inesperado soco seco, o som de uma realidade bem diferente... The Edge Of Glory, terceiro single, parece desinspirada coisa de Eurofestival. E Hair, o quarto, um total tiro ao lado... Born This Way, o álbum, confirma o que estes dois últimos singles faziam supor: um tremendo equívoco. Começa pela capa, que parece esquecer meses e meses de trabalho de afinada construção de toda uma consequente linguagem visual... Mas se a capa sugere pela imagem o som que um disco traz, então a escolha estava correcta... Born This Way é um palco de excessos, de canções carregadas a maquilhagem, de uma ideia barroca e pesada de pop que só em breves instantes retoma o jogo certeiro de ideias que havia definido The Fame (e The Fame Monster). A chegada das guitarras (e a presença de Brian May em You And I é inconsequente peso-pesado), os ocasionais exotismos menos gourmet e uma produção que parece despida de sentido crítico, arrumam a um canto grande parte de um alinhamento que mais parece de sobras que feito da excelência pop que nos deu já pérolas como Poker Face, Just Dance ou Bad Romance. Marry The Night tem mais molho que bife. Americano é má sequela do clima latino de Alejandro. Scheisse parece banda sonora para carrinhos de choque em feira de província. Não faltam pontuais boa ideias, mas em muitos casos são oásis dentro de canções que dão a curva errada no sítio errado para acabar em becos. Salva-se o belo rebuçadinho pop de Bloody Mary (muito à la Madonna, é verdade), o interessante piscar de olhos a terrenos hard floor em Heavy Metal Lover ou o bem ginasticado doesar de elementos de pop e elementos de dança em Government Hooker. Isto, claro está, mais o soberbo Judas, na verdade a única ponte evidente para com a etapa anterior. Se por um lado devemos reconhecer o mérito de não repetir receitas, Born This Way é todavia um disco que deixa à tona do olhar as marcas de quem, por um lado, não quis parar para repensar exactamente como mudar e, por outro, parece ter perdido (pelo menos momentaneamente) o sentido do gume da invenção pop... De resto, se quisermos escolher o grande disco pop mainstream de 2011 (até ao momento) temos de desviar os olhos para lá deste monumento pesado e barroco para focar o mais eficaz e luminoso Femme Fatale, de Britney Spears.