MARC CHAGALL O Grande Circo, 1970 |
1. Escusado será lembrar que José Sócrates não é, nunca será, um exemplo de consenso. A sua prática politica, e do seu governo, tem actuado sobre sectores socialmente muito sensíveis (p. ex.: os professores), gerando ou acentuando inevitáveis clivagens. Em todo o caso, o seu protagonismo está longe de ser linear. Podemos mesmo situá-lo entre duas hipóteses interpretativas: ou uma força individual que, para além de diferenças e querelas, preserva a marca de uma personalidade; ou um apagamento do próprio PS que, para além de vitórias ou derrotas, se dilui nesse mesmo protagonismo.
2. Não tenhamos dúvidas: tal balanceamento (indivíduo/grupo) reflecte as matrizes globais das práticas politicas contemporâneas, incluindo necessariamente a sua dimensão mediática e, sobretudo, televisiva. E quer queiramos quer não (e muitas vezes desejaríamos que não), a circulação dos valores políticos está fortemente parasitada pelo populismo que passou a dominar muitas formas de jornalismo televisivo.
3. Dito isto, e por tudo isto, importa também pensar a fulanização dos confrontos políticos que, em Portugal, entrou numa vertigem aparentemente sem recuo. Como? Precisamente através das formas de representação mediática de José Sócrates, talvez perversamente favorecidas pelo próprio, porventura fragilizando o seu efeito específico junto dos eleitores. Na prática, de acordo com a ideologia de “telejornal” que parece presidir à maioria dos diálogos políticos, “pró-Sócrates” ou “anti-Sócrates” é a única forma inteligente de distinguir os portugueses – não admira que haja mais de cinco milhões que preferem não votar.
4. Seja como for, nem mesmo a mediocridade de pensamento(s) desta conjuntura nos preparou para esta declaração de Pedro Passos Coelho (em entrevista à TVI): “O PSD tem condições para poder, com outras forças políticas, quer com o CDS, quer eventualmente com o PS, construir novas pontes de futuro. Mas não é possível construir uma alternativa de futuro com quem falhou para Portugal a estratégia como esta foi falhada pelo engenheiro Sócrates. Portanto, isso para mim é claro."
5. Do ponto de vista meramente quantitativo, a afirmação denota um apoteótico lirismo: um político admite fazer alianças com um determinado partido, mas não com o líder que os militantes desse partido elegeram com mais de 90% de votos. Na prática, a única mensagem que assim se passa para os eleitores é a de uma fulanização maniqueísta, sem recuo nem inteligência. Infelizmente, a pergunta que quase todos os jornalistas fazem a Passos Coelho decorre da mesma lógica: “Vai ou não aliar-se com Sócrates?”. Ao insistirem nessa pergunta, limitam-se a agravar ainda mais a mediocridade do debate politico.