quinta-feira, março 10, 2011

Um caso de equívoco


Apesar da verdadeira inflacção de adaptações ao cinema de figuras e histórias nascidas na BD, a maioria dos filmes que temos visto chegar ao grande ecrã ou têm genética encontrada no universo dos comics americanos ou raízes na manga japonesa... Daí que a notícia de uma adaptação de um clássico da BD franco-belga gerasse alguma curiosidade. Recorde-se aqui que, apesar da infinita variedade de heróis e aventuras que a BD franco-belga já levou aos livros, poucos são ainda os seus heróis com vida no cinema, Astérix ou Michel Vaillant sendo raras excepções, Tintin, Marsupilami ou os Estrumpfes a caminho... E, agora, chega As Múmias do Faraó: As Aventuras Extraordinárias de Adèle Blanc-Sec.

Criação de Tardi, Adèle Blanc-Sec “nasceu” em meados dos anos 70. Com a acção centrada nos dias que antecederam a I Guerra Mundial, e Paris frequentemente por cenário, são aventuras que cruzam uma interessante recriação de cenários, roupas e objectos da época com uma trama que cruza os ingredientes da aventura, mistério e policial com fortes temperos de fantástico. E é logo na gestão destes elementos que falha a adaptação de Luc Besson que hoje chega às salas de cinema portuguesas. O mistério e a tonalidade algo assombrada em que habitam as histórias de Adèle Blanc Sec cedem aqui lugar a um mundo onde o humor e o grotesco roubam protagonismo à essência da figura que serve de ponto de partida. E, convenhamos, daí em diante, é sempre pela ribanceira abaixo... De resto, com a ASA a reeditar neste momento as aventuras de Adèle Blanc-Sec em livro, não será difícil ver quão distante é a Adèle de Tardi da que agora, de carne e osso (interpretada por Louise Bourgoin), chega ao cinema.


O filme toma como base de trabalho dois livros das aventuras de Adèle. Adèle e o Monstro (o primeiro, de 1976) e Múmias Loucas (1978), os males do filme não decorrendo contudo desta soma. É natural que haja liberdades criativas numa adaptação ao cinema, sobretudo se no realizador se reconhecem marcas de personalidade. Luc Besson aborda o mundo de Adèle Blanc-Sec munido com uma bateria de efeitos especiais (para recriar o pterodáctilo ou a corte do faraó que regressa à vida), cuida atentamente a recriação da Paris de 1912 e dos trapinhos (que se servem a rigor), mas falha não apenas na forma como transforma o humor negro de Tardi em gracinhas para matinée pouco exigente como no reduzir da densidade da trama (falamos da escrita) de Tardi a uma superficialidade que em nada serve a alma da BD que toma como base de trabalho.



Imagens do trailer do filme.