De que falamos quando falamos de música portuguesa? Eis a renovada dúvida deixada pelo Festival da Canção — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 de Março), com o título 'Canções e visões'.
Permito-me começar por uma citação: “O panorama do Festival RTP da Canção é demasiado penoso para que seja possível passar à frente apenas com um silêncio pudico. A degradação do certame tem vindo a consagrar uma mediocridade feita de canções abaixo do mais patético voluntarismo amador, para mais apresentadas num registo histérico em que o público é tratado como uma máquina de produzir gritos e mais gritos. Tudo isto seria apenas uma variação sobre o populismo grosseiro que domina o espaço audiovisual, não se desse o caso de o festival possuir um património que, em termos musicais e até no plano da simbologia política, merece respeito.”
Escrevi estas palavras aqui mesmo, há um ano, mais precisamente na edição de 12 de Março de 2010. Doze meses depois, a avalancha de mediocridades do Festival da Canção de 2011 confere-lhes, infelizmente, uma renovada actualidade.
Não pretendo, de modo nenhum, contrapor o meu “gosto” musical às canções que passaram no certame. Aliás, nunca percebi porque é que há uma persistente estupidez que proclama que o crítico, essa inimigo público, imagina os outros como potenciais clones da sua visão do mundo. A questão é outra. E bem diferente. É, muito simplesmente, a questão da própria diversidade da música portuguesa. Dito de outro modo: como é possível que se tenha chegado a esta alegre tolerância com a pura indigência musical (e poética, Deus nos acuda...), transformando, a posteriori, o primitivo “nacional-cançonetismo” numa colecção de incautas obras-primas.
Sejamos realistas. O Festival da Canção é apenas um detalhe, um minúsculo, anedótico e infeliz detalhe. O problema de fundo é o da generalizada degradação dos padrões televisivos que faz com que não seja possível encontrar um qualquer Gilbert Bécaud em horário nobre (porque “ninguém” sabe quem é...) ou que se tenham tornados invisíveis os melodramas de Vincente Minnelli (porque o público não gosta de filmes “antigos”...). Na verdade, que se insultem os críticos, eis o que não passa de um vício tolerável. Resta saber o que se está a fazer aos espectadores.