domingo, março 27, 2011

Em conversa: Michael Cunningham (2)


Continuamos a publicação de excertos editados da entrevista realizada publicamente a Michael Cunningham pelos dois autores deste blogue no auditório da Fnac Chiado a 7 de Março.

Tem rotinas de trabalho? Horários?
Sou tremendamente disciplinado, o que não me parece que seja uma virtude. Venho de uma família com que, são impossíveis de viver, andam sempre a limpar tudo atrás de nós... E se há algo que eu, ao longo dos anos, aprendi foi a tornar-me menos obsessivo no meu método de escrita. Acordo, vou para o meu estúdio e escrevo durante umas quatro ou cinco horas. E depois vou tratar da minha vida e não escrevo frases em guardanapos nem vou a festas a pensar que isto seria bom para um romance. Acho que preciso ir directo do sono e sonhos para escrever. E com sou muito disciplinado raramente vou à internet.

Levou anos a publicar um primeiro livro...
Passei os meus vinte anos à procura do amor e outras drogas. E só quando cheguei aos 30 é que pensei que tinha de ter uma carreira. E depois demorou seis ou sete anos até alguém publicar alguma coisa minha. Não sou apenas disciplinado. Sou muito auto-confiante e muitas vezes pensava “que se lixem” por não publicarem o que escrevia. Em meados dos meus 30 anos pensei que se calhar não aconteceria, que poderia ser uma dessas pessoas que nunca chega a ser escritor. Decidi que ia continuar a escrever, mesmo que me tornasse um professor ou algo parecido. E pouco depois, quando decidi que não me ia preocupar a New Yorker publicou um conto meu e a partir dai as coisas seguiram.

Como reage quando lhe dizem que viram um filme baseado num dos seus romances, mas não leram o livro?
As pessoas dizem isso o tempo todo mas eu não sei... Com a BP a escavar, à procura de petróleo, e o Kadhafi a matar pessoas nas ruas, o facto d alguém ter visto o filme e não ter lido o livro parece-me insignificante.

Por onde começa um livro? Pela história? Pelas personagens?...
Começo sempre pelas personagens. Se começar pela trama, as personagens acabam por ter de ser criadas à medida da narrativa. Sou devoto da beleza das pessoas que não são perfeição. Todas as personagens dos meus livros se apaixonam, têm sexo, etc. Parecem-se com 99% da população. Preciso de começar uma história pelo inicio, porque acho que cada frase dá seguimento ao próximo acontecimento. Se começar pelo fim e voltar ao inicio, parece-me um pouco forçado.

Busca um sentido de realismo?
Suponho que sim, mas não é algo em que eu pense. E há certas coisas no ar e se há um movimento que se aproxima desse realismo, isso acaba por nos envolver indirectamente...
(continua)