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Como é que, de um modo geral, são elaboradas as notícias sobre as convulsões que têm abalado vários países do norte de África? As respostas são esclarecedoras do modo como as televisões (não) pensam o seu próprio trabalho — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Fevereiro), com o título 'Notícias do mundo árabe'.
Como olhar as convulsões do mundo árabe? Como dar a ver uma realidade tecida de componentes em grande parte estranhas aos nossos olhos europeus e ocidentais? Algumas vozes menos dadas a euforias pueris, têm chamado a atenção para a necessidade muito pragmática de não perder de vista a complexidade política e civilizacional de tudo aquilo que está em jogo. Recordo, por exemplo, as palavras contundentes de Vasco Graça Moura, em artigo publicado no DN (9 Fev.): “O Ocidente fala muito de cooperação, mas não tem condições satisfatórias para prestar ajuda que se veja a muitos milhões de seres humanos, de modo a neutralizar a insatisfação e as tensões acumuladas de populações paupérrimas.”
Escusado será dizer que semelhante cepticismo não significa nenhum abandono da defesa dos direitos humanos e dos valores inerentes aos regimes democráticos (Vasco Graça Moura sublinha isso claramente no seu artigo). Em todo o caso, e não perdendo de vista a dimensão televisiva da questão, vale a pena interrogar o modo corrente como muitos canais tendem a noticiar os eventos no Egipto, Bahrain, Líbia e outros países que têm sido abalados por manifestações de protesto contra os seus líderes. De facto, dir-se-ia que triunfou o estilo mais anedótico de... apontar o dedo. E a descrição não tem nada de caricatural: desde os canais portugueses à BBC ou à CNN, o principal objectivo “jornalístico” parece ser o de conseguir colocar um repórter algures, na Praça Tahrir ou no meio de uma qualquer situação agitada, para deixar a mesma mensagem: “Reparem nesta confusão...”
Esta cultura mediática é tanto mais grosseira quanto as televisões conseguiram impor uma ideologia (triunfalista e arrogante) que pressupõe uma lei inquestionável: se temos um repórter lá, “no meio da confusão”, então nada pode ser mais verdadeiro... Na prática, para o mundo ocidental, isto significa também que as batalhas políticas pela democracia podem começar a ser perdidas no terreno do artificialismo televisivo. Filmar manifestantes aos gritos não basta para compreendermos a complexidade do tempo em que vivemos.