segunda-feira, janeiro 17, 2011

Ute Lemper ou a natureza teatral


Pela sua exuberância, tecida de sofisticação e elegância, Ute Lemper é uma daquelas personalidades que pode evocar um rótulo clássico: uma força da natureza. Assim é, de facto. Mas a sua naturalidade em nada contraria — bem pelo contrário, parece atrair — uma elaboradíssima teatralidade.
Assim voltou a ser no magnífico concerto de domingo, no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian. Com a Orquestra Gulbenkian, dirigida por Lawrence Foster, Lemper propôs uma digressão Berlim/Paris em que as memórias germânicas (Weill/Brecht) se envolveram com as deambulações francófonas (Brel, Piaf), para desembocarem no espectáculo made in USA, via John Kander (Cabaret, All That Jazz). O concerto conseguiu ser, assim, uma ilustração perfeita da frondosa pluralidade da arte de Lemper e também, afinal, dos muitos cruzamentos temáticos, estéticos e simbólicos que esta temporada 2010/11, delineada por Risto Nieminen, tem sabido promover.
Em cada tema que interpreta, Ute Lemper convoca uma personagem que é a figura ficcional que o tema impõe, mas também uma espécie de alter-ego que dela se distancia, fruindo, desmontando e relançando todos os seus artifícios (hélas!, não é impunentemente que se convoca Brecht). E foi muito bom sentir o maestro e os músicos a participar nesse jogo de máscaras e emoções — afinal de contas, as ironias do entertainment são coisas muito sérias.