Foto: Arquivo da Filarmónica de Nova Iorque
Teve recentemente edição em Portugal, pela Bizâncio, um livro que percorre a vida de Leonard Bernstein observando sobretudo o seu papel político e cívico, naturalmente não afastando a música deste retrato. Este texto foi originalmente publicado na edição de 15 de Janeiro do DN Gente com o título ‘A Vida Política de um Músico Americano’.
Temeu ver o seu nome na "lista negra" dos apontados a dedo na América dos tempos de McCarthy. Antes, nos anos 40, integrou associações e grupos de esquerda. Lutou pela candidatura (derrotada) de Eugene McCarthy nas primárias do Partido Democrata em 1968 e chegou a assustar a administração Nixon quando correram rumores sobre o que poderia representar a Missa que estava a compor para a inauguração do Kennedy Center, em 1970. Um dos nomes maiores do século xx, maestro (e comunicador) de feitos reconhecidos e um dos mais importantes compositores americanos de sempre, Leonard Bernstein foi, também, e desde cedo na sua carreira, uma figura ciente de um papel político que fez questão de cumprir. Leonard Bernstein - A Intervenção Cívica de Um Músico Americano, de Barry Seldes (ed. Bizâncio) é um retrato biográfico atento a essa mesma história. Como se lê no livro, "Bernstein não fazia grande destrinça entre as esferas política e musical da sua vida". E se uma obra musical, ainda em tempo de afirmação, causava divisões de opiniões, já as suas primeiras manifestações de intervenção política geraram momentos mais crispados. "Havia gente a denunciar Bernstein pelas costas", recorda Barry Seldes. O livro menciona, de resto, diversas informações registadas em relatórios do FBI. "Manteve-se fiel à esquerda espanhola" e "estava empenhado na formação do novo Partido Progressista, que tinha por objectivo restaurar a aliança dos tempos da guerra entre os EUA e a URSS ou, pelo menos, travar o progresso da guerra fria", lemos no livro.
Nos anos 50, a visibilidade da sua música ganhou outro patamar, ao mesmo tempo que a sua vivência política lhe valeu momentos de ansiedade. "Tanto era O Miúdo Prodígio Irremediavelmente Destinado ao Sucesso", de acordo com o número da Look de Março de 1950, como um perigoso vermelho, segundo o Red Channels publicado em Junho" do mesmo ano. Em 1953, descreve Seldes, o "novo secretário de Estado John Dulles mandou retirar obras de comunistas ou simpatizantes do comunismo de bibliotecas de Informação Internacional e das emissões do Voice Of America". Entre as obras havia gravações de peças de Bernstein.
Receou, então, o pior. Não foi, contudo, chamado a depor perante as comissões da House UnAmerican Activities Committee ou do Senado. Prestou então um depoimento escrito, que "aparentemente serenou as autoridades". Esse depoimento "parece ter aberto a porta à sua remoção da lista negra", e em finais dos anos 50 assumia o controlo da Filarmónica de Nova Iorque, tinha novo contrato discográfico e obtinha novos sucessos.
Amigo pessoal dos Kennedy, a sua relação com o poder muda nos anos 60. E em 1963, Jackie pediu-lhe que actuasse nas cerimónias fúnebres do presidente assassinado, escolhendo a Sinfonia N.º 2 de Mahler e dedicando-lhe a sua própria sinfonia Kaddish. Não abandonou, contudo, ao longo da década, a intervenção cívica e política. Participou em marchas e apoiou a candidatura de Eugene McCarthy às presidenciais de 1968.
O seu nome voltaria a estar envolvido em casos nos media, o mais sonoro de todos em 1969, quando Felicia Bernstein, a mulher de Leonard, organizou no apartamento uma festa para angariação de fundos para o grupo radical Panteras Negras, descrita depois num artigo de Tom Wolfe que fez história. Não seria a última vez que o nome Bernstein estaria ligado a um "caso" político. Mas depois dos anos 70 outra moderação tomou conta de grande parte da sua agenda.