terça-feira, dezembro 21, 2010

Joaquin Phoenix à deriva


Uma estrela face ao olhar dos media... Ou as atribulações da fama. Joaquin Phoenix revisita o tema em I'm Still Here, um "mockumentary" não exactamente sobre a deriva artística, mas apenas à deriva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 de Dezembro), com o título 'A patética herança dos "apanhados"'.

Decididamente, a estética dos “apanhados” televisivos tomou conta de muitos aspectos da nossa existência. Como era fácil de prever, a sua generalização instalou dois valores (ou falta de valores) dominantes: por um lado, há “amadores” que julgam que fazer cinema é registar o vizinho a estatelar-se no degrau que eles próprios tiveram o cuidado de viciar; por outro lado, qualquer “repórter” que consiga fazer gaguejar um político, de preferência ofendendo-o na sua competência ou dignidade, tem direito a ser consagrado como efémero herói da televisão.
Apesar de tudo, não se esperava que esse patético infantilismo tomasse conta de um actor tão talentoso como Joaquin Phoenix (lembram-se dele na personagem de Johnny Cash em Walk the Line?). Mas foi o que aconteceu. Com a cumplicidade de outro actor, o seu cunhado Casey Affleck, neste caso assinando como realizador, Phoenix decidiu montar toda uma teia de equívocos, começando por declarar que se ia retirar do cinema e dedicar-se à música rap. Enquanto o logro durou, andou a fazer aquilo que I’m Still Here testemunha. Ou seja: a acumular dissertações sobre a condição de “artista” e a angústia visceral da “arte” que, de tão anedóticas, envergonhariam o mais medíocre candidato a estudante dessa coisa muito nobre que dá pelo nome de cinema.
O problema não é a “mentira” que Phoenix e Affleck nos querem vender. Afinal de contas, não é por qualquer irrepreensível naturalismo que admiramos Orson Welles, Federico Fellini ou David Lynch. O problema é esta redução do discurso cinematográfico a um truque sem imaginação. Momento emblemático: depois de uma performance de palco, Phoenix vomita longamente na sanita... Como filosofia estética, não poderia ser mais esclarecedor.