Psico, um dos títulos mais emblemáticos da filmografia de Alfred Hitchcok, chegou às salas escuras em 1960. Passado meio século, o seu fascínio permanece intocável – este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 de Outubro), com o título '"Psico" já fez cinquenta anos'.
Não poucas vezes, as efemérides cinematográficas surgem como eventos mais ou menos pitorescos, desligados de qualquer percepção minimamente consistente dos filmes e do contexto da sua produção. Esse é um dos efeitos práticos de uma cultura simplista (de raiz televisiva) para a qual o cinema não passa de uma curiosidade anedótica, e tanto mais quanto os filmes são mais “antigos”: para essa cultura, Griffith, Eisenstein ou Dreyer são uns simpáticos defuntos que filmaram umas “coisas” a preto e branco...
Seja como for, há que reconhecer que, por vezes, as datas possuem um singular efeito de sedução. Dir-se-ia que o simples exercício da memória nos pode revelar toda uma coerência simbólica que o tempo foi polindo e consolidando. Assim, por exemplo, é interessantíssimo observar como a produção cinematográfica de há exactamente 50 anos deixou a marca plural de uma conjuntura de muitas e frondosas convulsões. Se pensarmos em alguns dos filmes marcantes de 1960, compreendemos que se estava a viver, de facto, toda uma dinâmica criativa que iria alterar de forma radical os modos de fazer, pensar e consumir cinema.
1960 é, desde logo, o ano de consolidação plena da Nova Vaga francesa, movimento enraizado numa profunda reavaliação crítica do cinema que, além do mais, influenciou todos os “novos cinemas” da época (Portugal, Brasil, Checoslováquia, etc.). No ano anterior, com Os 400 Golpes, François Truffaut obtivera o prémio de realização no Festival de Cannes; nesse mesmo ano, Jean-Luc Godard estreava em França o emblemático À Bout de Souffle (O Acossado).
Um dos realizadores do período clássico que os autores da Nova Vaga mais celebraram, desafiando os tradicionais padrões “artísticos”, foi Alfred Hitchcock. A sua década de 50 tinha sido fulgurante, consumando um sofisticado conceito de narrativa que dera origem a títulos como Janela Indiscreta (1954), Vertigo (1958) ou Intriga Internacional (1959). Até que, no mágico ano de 1960, Hitchcock faz Psico.
O cliché mais automático leva a defini-lo como um dos cumes da arte do suspense (que também é, obviamente), enaltecendo em particular a lendária cena do chuveiro e o electrizante confronto de Anthony Perkins e Janet Leigh: ele é Norman Bates, o mais ambíguo dos psicopatas, ela, Marion Crane, a vítima incauta que vai morrer demasiado cedo. Ora, justamente, a morte de Marion faz com que Janet Leigh, em princípio a vedeta (quer dizer, o centro dramático do filme), desapareça prematuramente da acção, deixando o espectador numa curiosa orfandade simbólica: se já não há vedeta, com quem nos identificamos?
Em boa verdade, Hitchcock estava a lançar as bases de todo um processo de questionamento das regras clássicas da narrativa, desafiando os seus tempos e os respectivos (des)equilíbrios dramáticos. Cinquenta anos depois, a sua ousadia continua a fascinar-nos.
>>> Psycho por Tim Dirks.
>>> Psycho por Mikiro Kato.
>>> O argumento de Psycho.