Figura em clara ascensão no panorama da música do século XXI, Nico Muhly pode ser um possível exemplo de uma nova atitude ciente de quão “do outro milénio” é a noção de género e de fronteira nos espaços da música. Ligado a um colectivo de músicos – a Bedroom Community – que partilham, sob pragmatismo de alma indie, uma sadia política de cruzamento de referências, Nico Muhly dá agora um novo passo ao assinalar, com a edição simultânea de dois discos, a sua estreia no catálogo da Decca Classics.
Passemos esta semana pela música que nos revela o álbum I Drink The Air Before Me. A música foi composta por Nico Muhlye para um espectáculo de dança criado por Stephen Petronio, em concreto sendo desde o início pensada para assinalar as comemorações do 25º aniversário da sua companhia. E por isso mesmo a ideia de celebração mora firme no tutano da composição. “A nossa primeira reunião, onde discutimos a estrutura do trabalho, originou um esboço: uma linha gigante que começava no canto inferior direito de um guardanapo, acabando no canto superior direito”. Ou seja, “Começar pequeno, acabar grande”, explica Nico Muhly numa nota que agora acompanha o disco. Além disso, explica ainda que desejava que o ensemble que interpretasse esta música fosse um pouco como uma pequena comunidade que vive à beira-mar. Não se trata de uma composição com apenas uma carga narrativa, mas sobretudo um ponto de partida para uma relação entre o espaço, os corpos e o som tendo por pano de fundo o reconhecimento do poder maior que representam as grandes forças atmosférias. A chuva, o vento, as tempestades... Forças que aqui traçam um parelelo com idênticas erupções de intensidade que podem provir do interior de cada um de nós.
Mesmo despida agora do contexto físico para o qual nasceu, a música de I Drink The Air Before Me respira vida própria e revela-se uma das mais interessantes das obras de Muhly até aqui gravadas em disco. Pela sua medula passam ecos da assimilação do minimalismo, sentindo-se sinais de uma busca por um caminho, as experiências colectivas via Bedroom Comunity (nomeadamente a pontual integração de texturas electrónicas) e a interessante utilização das vozes sendo alguns dos possíveis destinos da atenção do ouvinte ao longo de uma peça de grande fôlego que o compositor leva a bom termo. O disco confirma em Nico Muhly um talento em afirmação, votado em desafiar os seus horizontes. Em tempos era muitas vezes citado pelas colaborações com nomes como Philip Glass (com quem trabalhou), Björk, os Grizzly Bear ou Antony and The Johnsons… Hoje, pelos feitos que entretanto assinou em nome próprio, dispensa já os cartões de visita.
PS. Por incrível que possa parecer, a editora que representa localmente a Decca Classics não vai editar este disco em Portugal... A opção demonstra sinais de preocupante desconhecimento, não apenas do relacionamento do músico com o público português, da transversalidade do apelo do seu nome e até da própria dimensão que a obra de Nico Muhly começa a merecer. Não seria o 'Adagios de maestro famoso' da saison, mas editar (e promover devidamente) este disco e compositor entre nós traduziria um possível porquê para a justificação de ainda haver escritórios locais de editoras multinacionais...
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Imagens de excertos de uma apresentação pública de I Drink The Sir Before Me, num palco onde d dança partilha espaço com os músicos. É o próprio Nico Muhly quem dirige.
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