domingo, outubro 24, 2010

Um reencontro (ao som de Ravel)


É um dos três discos que, recentemente, Pierre Boulez editou de uma só vez (os restantes sendo dedicados à música de Mahler e à de Szymanovski). Aqui, num reencontro com o pianista Pierre-Laurent Aimard e acompanhado pela Orquestra de Cleveland, Boulez apresenta dois concertos de Ravel (1875-1937), Aimard acrescentando depois Miroirs ao alinhamento. A edição é da Deutsche Grammophon.

A revista BBC Music deu-lhes a capa da mais recente edição e, ao abrir o extenso dossier que dedica a este reencontro entre Boulez e Aimard aponta o disco que gravaram juntos como “o que poderá ser a gravação de concertos de Ravel da década”… Contextualizemos, primeiro. Em meados dos anos 70, procurando um pianista para o Ensemble Intercontemporain, Boulez pediu uma opinião a Yvonne Loriod (mulher de Messiaen e sua antiga professora). Sugeriu-lhe Aimard. Tinha então 19 anos e, passada a audição, integrou o ensemble de Boulez até ao dia em que sentiu que era chegada a altura de seguir o seu caminho… O recente reencontro, em Cleveland (onde Boulez foi estabelecendo uma relação de trabalho desde que ali fora levado, pela primeita vez, em 1965, por George Szell) colocou-os frente a dois concertos tardios da obra de Maurice Ravel (na foto) compostos em paralelo entre 1929 e 31. O Concerto para Piano para a Mão Esquerda foi criado para Paul Wittgenstein (irmão do filósofo), um pianista que havia perdido o braço direito na I Guerra Mundial. É uma obra em apenas um andamento, com passagens de intensa carga dramática e com ocasionais instantes onde se sente um relacionamento com o jazz do seu tempo. Já o Concerto em Sol maior é uma obra mais próxima da forma tradicional do concerto, recuperando algumas ideias antigas que Ravel não chegara a usar num concerto que havia em tempos projectado para ele mesmo interpretar. Gravados ao vivo na Severance Hall, em Cleveland, os dois concertos têm neste disco verdadeiras interpretações de excepção. Foi “uma espécie de semana religiosa”, como descreve Aimard no texto que lemos no booklet. Já Boulez classifica no mesmo texto como “ingénuas” certas visões críticas sobre a música de Ravel que havia defendido nos seus dias de juventude. Diz que “Schoenberg tinha nascido em 1874, Ravel em 1875 e por isso pensava que Ravel deveria ser bem mais radical que Schoenberg”. Hoje reconhece que Ravel “evoluiu independentemente de um modo diferente de qualquer outro compositor” e sublinha a “qualidade harmónica da sua escrita”. E o que nos mostra nste disco dá-lhe razão.


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Imagens de uma interpretação do Concerto para Piano para a Mão Esquerda de Ravel por Aimard, na Philharmonie, em Berlim, em Junho de 2009. Pierre Boulez dirige. O vídeo apresenta-os contudo com a Filarmónica de Berlim e não com a Orquestra de Cleveland, que ouvimos no disco.