Muito para além dos filmes que exploram um certo estereótipo de "galã" (Pearl Harbor, Demolidor - O Homem Sem Medo), Ben Affleck tem uma carreira em que o trabalho como realizador começa a adquirir consistência; A Cidade aí está como esclarecedora ilustração — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 de Outubro), com o título 'Thriller confirma Ben Affleck'.
Actor muito popular do cinema americano, Ben Affleck (38 anos) está empenhado em construir uma sólida carreira como realizador, claramente distante da sua imagem de vedeta de grandes projectos de produção como Pearl Harbor. Estreou-se em 2007, com Vista pela Última Vez (Gone Baby Gone), sobre o rapto de uma menina, em Boston: por vezes associado ao “caso Maddie”, o filme, de facto, nasceu antes da sua eclosão, baseando-se num romance de Dennis Lehane (autor de Mystic River e Shutter Island, já filmados, respectivamente, por Clint Eastwood e Martin Scorsese). Agora, Affleck regressa a Boston, com A Cidade, um thriller centrado numa quadrilha especializada em assaltos a bancos.
Como muitos outros filmes do género, em especial da década de 70, A Cidade integra uma linha melodramática essencial ao seu impacto emocional. Assim, um dos ladrões (interpretado pelo próprio Affleck) envolve-se com a gerente do banco assaltado (Rebecca Hall), tentando perceber até que ponto ela terá guardado alguma memória visual que lhe permita identificar os membros da quadrilha. Ao mesmo tempo, o FBI vai acumulando dados que podem levar à captura dos assaltantes, precisamente durante a realização de um novo golpe.
O que faz com que A Cidade não seja um mero objecto de rotina é o seu apurado sentido dos lugares e respectivos habitantes. Em boa verdade, Affleck está a filmar uma zona urbana que conhece muito bem, já que foi em Boston que viveu a sua juventude (nasceu em Berkeley, Califórnia). O bairro de Charlestown, onde decorre o essencial da acção, surge como uma comunidade com regras próprias, uma verdadeira cidade dentro da cidade, para mais albergando toda uma discreta rede do crime organizado. O cartaz do filme apresenta mesmo uma sugestiva frase promocional: “Bem-vindos à capital americana dos assaltos a bancos”. Em todo o caso, por certo preocupado em não favorecer generalizações simplistas, Affleck tem o cuidado de, no genérico final, incluir um pequeno texto lembrando que o filme não pretende confundir as personagens dos assaltantes com a esmagadora maioria dos habitantes de Charlestown.
Para o elenco de A Cidade, Affleck mostrou-se especialmente atento às possibilidades de diversificação dos clichés do género. Assim, convidou Jon Hamm para aquele que é, até agora, o seu mais importante papel cinematográfico (como líder da equipa do FBI). Muito popular através da série televisiva Mad Men, Hamm encontra, aqui, uma importante porta de entrada no sistema de Hollywood, e tanto mais quanto A Cidade se mostra capaz de revalorizar uma velha tradição do cinema clássico americano: a de conceber o filme, não como um objecto organizado em torno de uma vedeta, mas sim a partir de uma sólida teia de actores secundários. Além de Rebecca Hall (que tínhamos visto, por exemplo em Vicky Cristina Barcelona, sob a direcção de Woody Allen), A Cidade conta ainda com participações de Jeremy Renner (protagonista de Estado de Guerra, o filme vencedor dos últimos Oscars) e Blake Lively (uma das actrizes de As Vidas Privadas de Pippa Lee). Com eles, e através deles, Ben Affleck volta a mostrar que é um realizador a ter em conta entre os “principiantes” do actual cinema americano.