domingo, outubro 24, 2010

Em conversa: Daniel Harding (2)


Continuamos a publicação de uma entrevista com o maestro Daniel Harding que serviu de base ao artigo ‘A obra de Carl Off que resiste ao tempo’ publicada a 10 de Outubro no DN.

Carl Orff compôs muitas mais obras de música para o palco. Mas nas lojas de discos é raro vermos algo seu além de gravações de Carmina Burana… Não estamos a prestar o devido tributo à sua memória?
Tenho de confessar que não sou um especialista em Carl Orff mas passei uns belos momentos a trabalhar esta obra. Mas não foi algo que me imaginasse a fazer até que mo foi sugerido. E não conheço suficientemente bem o resto da sua música. Como acontece com outros compositores, haverá certamente várias razões pelas quais certas obras se tornam mais populares. E muitas vezes até encontramos exemplos mais estimulantes em peças menos conhecidas, mas o facto é que não captaram a imaginação da mesma forma tão acessível. E certamente deve ter sido uma frustração para ele ver como uma peça se tornou tão mais popular que as outras. Mas esta obra foi para ele um começo. Dizendo para que se esquecesse tudo o que tinha feito antes. Mas há muitos compositores que dizem algo numa peça que capta o interesse das pessoas de uma forma especial. Acho que ele criou esse problema a si mesmo ao esrecever uma peça tão bem sucedida e manipuladora. Mas talvez chegará um tempo em que a sua obra restante venha um dia a ser conhecida…

Esta obra [Carmina Burana] teve estreia na Alemanha de finais dos anos 30. Ou seja, em pleno regime nazi. Reconhece nesta música eventuais características nacionais socialistas?
Creio que a reacção inicial de Goebbels foi de desagrado. Depois, aperceberam-se que a arte manipulativa de Carl Orff era muito próxima da ideia de arte de propaganda que o partido nazi estava a usar. Não falo de ideias politicas, mas da forma de manipular as emoções das pessoas. Creio que a combinação do antigo e do moderno de que falámos é como um equivalente musical à arquitectura do perído nazi. O uso de estruturas gregas, num modo moderno, ressoando ao passado, mas falando para os tempos modernos. Ao mesmo tempo há o uso de rituais e os nazis adoptaram cedo o uso de elementos como, por exemplo, as procissões com tochas, cerimónias com grandes bandeiras… São equivalentes… A manipulação que Carl Orff usa é um pouco o equivalente musical disso tudo. Repito, não me refiro a ideias politicas… Até porque, se formos ver, em Carmina Burana não há nada de político no texto.

Pela forma como o mundo quase ignora a sua restante obra, estará Carl Orff a pagar como que uma factura da sua eventual ligação (nunca provada, sublinhe-se) ao poder de então?
Quer que o digam ou não, ele não pode escapar a ideia de que, de alguma forma, tenha estado ligado ao poder nazi. Para muitas pessoas Carmina Burana é também um símbolo do que não gostam e de algo que consideram nada atractivo. A verdade é que a peça manteve a sua popularidade apesar desta associação. Mas talvez há quem o esteja a castigar ignorando todo o resto da sua obra, o que é uma atutide muito humana e ilógica de agir…
(continua)