PIERRE BONNARD
Peixe num Prato
1921
Leio no Diário de Notícias algumas informações sobre as condições do contrato estabelecido entre a Federação Portuguesa de Futebol e Paulo Bento: o novo selecccionador nacional de futebol vai receber cerca de um terço daquilo que era pago a Carlos Queiroz. Na prática: perto de 50 mil euros/mês.
Creio que vale a pena dizer alguma coisa sobre estes números. Não para fazer moralismo fácil: sabemos que a economia do futebol possui uma escala invulgar, sem paralelo com a maior parte das actividades profissionais. Além do mais, importa não alimentar a demagogia fulanizada por alguém ganhar "muito" ou ganhar "pouco". Dito de outro modo: não está em causa a dignidade profissional de Paulo Bento, muito menos a sua legitimidade para ser pago como vai ser (afinal, com uma poupança significativa em relação ao anterior seleccionador).
Em causa está, isso sim, o continuado silêncio da nossa classe política sobre a dimensão económica do futebol. Afinal de contas, Portugal construiu estádios para o Euro 2004 que custaram 645 milhões de euros, insistindo mesmo (precisamente através da FPF) em manter uma candidatura (ibérica) à organização do Mundial de 2018. Dito de outro modo: quando, de um modo ou de outro, os partidos políticos defendem drásticos mecanismos de contenção financeira, seria interessante saber o que pensam dos dinheiros do futebol português. Aliás, a pergunta será igualmente pertinente para os candidatos à Presidência da República: num país em que se adiam ou atrasam grandes projectos nacionais devido às verbas que implicam, que pensam do facto de esse mesmo país se perfilar para organizar um Campeonato do Mundo de Futebol?
* NOTA: sendo ainda perfeitamente possível rodar um filme português de longa-metragem por 645 mil euros, aquele valor gasto no Euro 2004 permitiria fazer mil filmes (se considerarmos que dez é um número razoável para a nossa produção anual de longas-metragens, estamos a falar de uma verba que poderia alimentar cem anos de produção cinematográfica).