Evgeny Kissin regressou ao Grande Auditório da Fundação Gulbenkian para um concerto apoteótico [dia 29; repetição dia 30] — com a Orquestra Gulbenkian, dirigida por Lawrence Foster, interpretou o Concerto para Piano nº 2, de Fryderyk Chopin, numa espantosa leitura/recriação/reinvenção das suas mais delicadas nuances emocionais. A versatilidade não basta, de facto, para definir a sua prodigiosa performance — é a todo um labor de decifração íntima da obra que assistimos, deslumbrados.
Em todo o caso, seria redutor secundarizar o enquadramento que o próprio concerto, através das peças a cargo da orquestra, conferiu à obra de Chopin: primeiro, com o exuberante Carnaval Romano, de Hector Berlioz; depois, na segunda parte, com uma obra muito mais rara, o vertiginoso e contrastado Concerto par Orquestra, de Witold Lutoslawski (composto em 1950-54). Acima de tudo, vale a pena sublinhar o cuidado estrutural — se quiserem: o sentido de casting — que podemos detectar, desde já, em concertos desta temporada: se Lutoslawski [foto] estabelecia uma directa rima (polaca) com Chopin, ao mesmo tempo os sons de Berlioz e Lutoslawski surgiam como momentos diversos, mas cúmplices, de uma démarche criativa empenhada em testar os limites clássicos da orquestra — ou, se preferirem, os limites da orquestra clássica.
Dito de outro modo: trata-se não apenas de acumular obras ou referências, mas de criar laços estimulantes de continuidade/ruptura na sua própria escuta.
>>> Sobre Witold Lutoslawski.