Este texto sobre o livro Fome, de Elise Blackwell, foi publicado numa coluna de sugestões na edição de 21 de Agosto do DN Gente.
Entre finais de 1941 e Janeiro de 1944 a cidade de Leninegrado (actual São Petersburgo) viveu sob o cerco do exército alemão. Desde então são conhecidos os relatos do quoti-diano dramático de uma cidade onde ao frio dos sucessivos Invernos se juntou a fome mas onde a vontade de resistir não deixou entrar em cena a palavra rendição. De resto, se há exemplo notável entre as grandes histórias de resistência durante a II Guerra Mundial veio da Leninegrado cercada quando, a 9 de Agosto de 1942, e através de altifalantes espalhados pela cidade, se fez a estreia local da assombrosa Sinfonia n.º 7 de Shostakovich (que ainda viveu algum tempo sob o cerco), dedicada à cidade. O cerco a Leninegrado é agora evocado numa outra obra. Assinado pela norte-americana Elise Blackwell, Fome foi originalmente publicado em 2003, e surge agora em tradução de Safaa Dib para a Livros de Areia. Tomando um agrónomo de um instituto estatal de Leninegrado por narrador, avançamos por relatos daqueles dias ao longo dos quais confrontamos tempos de privação - nos quais se usa serradura para completar a farinha que falta no pão e se fazem sopas dos mais incríveis ingredientes - com memórias que guarda jantares nos dias de abundância que antecederam o cerco ou de missões de estudo a outras latitudes, numa delas descrevendo a melhor manga que alguma vez provou. Um pequeno livro de leitura tão saborosa quanto as iguarias que por vezes o protagonista recorda.