domingo, agosto 29, 2010

A política segundo Marcelo Rebelo de Sousa

GERHARD RICHTER
Sem título [óleo sobre fotografia]
1996


Será que, em televisão, a política se esgota na percepção anedótica dos seus protagonistas?... A questão é, indissociavelmente, mediática e social. Este apontamento integrava uma crónica publicada no Diário de Notícias (27 de Agosto).

No domingo [22 de Agosto], Marcelo Rebelo de Sousa (TVI) analisou o diálogo PS/PSD, considerando que “o PSD tem razão mas não tem toda a razão, porque não pode dizer que houve violação de um acordo”. Isto porque “com José Sócrates, palavras leva-as o vento”. E acrescentou que “com ele tem que ser tudo escritinho e o PSD não esteve para isso, caiu no logro e foi embarretado por Sócrates no primeiro momento, agora já abriu os olhinhos” (palavras transcritas do site da TVI24).
O fundamento deste método, em boa verdade transversal a todos os canais de televisão, é o modo como satisfaz um terrível paradigma ideológico do nosso tempo, todos os dias ilustrado e ampliado pelo “liberalismo” da Internet: a filosofia política cede a sua nobreza à descrição fulanizada do exercício do poder. Ou ainda: o pensamento político tende a ser diluído numa percepção anedótica dos seus protagonistas.
Considerar Marcelo Rebelo de Sousa [foto] “culpado” deste estado de coisas seria simplificar, e muito, a história portuguesa do comentário político em televisão (que inclui, entre outros, o próprio José Sócrates). O que está em causa é de outra natureza: a política é-nos apresentada como uma feira barulhenta onde se distinguem sempre os que tiverem mais “olhinhos” ou souberem lançar alguma frase sonante de dez segundos que os telejornais, solícitos, irão repetir até à exaustão. Nada disso explica, por si só, a abstenção de vários milhões de portugueses nos mais recentes actos eleitorais. Mas para tentar compreender tal alheamento, valia a pena não dispensar uma reflexão empenhada sobre os efeitos quotidianos deste tipo de discursos.