Francis Ford Coppola vai ser homenageado pela Academia das Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Mas não com um Oscar: o autor de Apocalypse Now [foto de rodagem] vai receber o Prémio Irving G. Thalberg, e isso faz toda a diferença — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 de Agosto), com o título 'Coppola de regresso a Hollywood'.
Por razões de curiosidade ou ironia, as notícias sobre os prémios honorários da Academia de Hollywood foram dominadas pelo nome de Jean-Luc Godard. No dia 13 de Novembro, ele vai receber um Oscar (tal como o actor Eli Wallach e o historiador Kevin Brownlow) e a sua condição histórica de enfant terrible do cinema europeu confere-lhe uma marginalidade, afinal ilusória, nesta conjuntura: em boa verdade, Godard foi uma influência nuclear para os cineastas que revolucionaram o cinema americano ao longo das décadas de 60 e 70, a começar por Martin Scorsese, além de que a sua presença no mercado americano (nomeadamente nos circuitos especializados de DVD) tem sido uma constante.
A maior surpresa ou, pelo menos, a mais desconcertante ambiguidade da lista de homenageados da Academia tem a ver com o nome de Francis Ford Coppola. É bem verdade que o autor de O Padrinho (1972), Apocalypse Now (1979) e Rumble Fish (1983) nunca foi uma personalidade estranha à indústria de Hollywood. Aliás, nos Oscars, possui um curriculum invejável, com nada mais nada menos que cinco estatuetas douradas, três das quais obtidas, em 1975, com O Padrinho II (nas categorias de filme, realização e argumento adaptado). Em todo o caso, Coppola não vai receber um Oscar, mas sim o prestigiado Prémio Irving G. Thalberg. E esse é um prémio que distingue, muito especificamente, um produtor.
Mais do que isso: a Academia reserva-se o direito de não o atribuir anualmente, de tal modo que, desde a sua criação há mais de 70 anos (o primeiro, para Darryl F. Zanuck, foi entregue em 1938), apenas foi concedido 37 vezes, distinguido personalidades como Walt Disney (1942), Jack L. Warner (1959) ou Steven Spielberg (1987). A questão que emerge é esta: como avaliar a consagração de Coppola como produtor, sobretudo tendo em conta que, depois de The Rainmaker/O Poder da Justiça (1997), a sua actividade criativa está claramente desligada dos grandes estúdios de Hollywood? Nos últimos anos, através de títulos como Uma Segunda Juventude (2007) e Tetro (2009), tem sido mesmo um militante da produção “alternativa” em video digital, assumindo-se como produtor dos seus filmes e controlando directamente a respectiva distribuição.
Haverá quem veja nesta consagração o reflexo de algum “cinismo” de Hollywood, tentando reintegrar aqueles que, por diversas circunstâncias, foi afastando dos seus centros de decisão. Talvez... afinal de contas, a natureza humana não é estranha às atribulações cinematográficas, mesmo se importa lembrar que a Academia não é (longe disso) uma emanação directa das direcções dos estúdios. Assim, podemos interpretar o gesto da Academia de forma menos acintosa: mesmo escrevendo direito por linhas tortas, ao atribuir o prémio Thalberg a Coppola, Hollywood está a valorizar, implicitamente, alguém que, ao longo das décadas, soube utilizar de forma invulgar os recursos da grande indústria, mas também o minimalismo da produção independente.
Por razões de curiosidade ou ironia, as notícias sobre os prémios honorários da Academia de Hollywood foram dominadas pelo nome de Jean-Luc Godard. No dia 13 de Novembro, ele vai receber um Oscar (tal como o actor Eli Wallach e o historiador Kevin Brownlow) e a sua condição histórica de enfant terrible do cinema europeu confere-lhe uma marginalidade, afinal ilusória, nesta conjuntura: em boa verdade, Godard foi uma influência nuclear para os cineastas que revolucionaram o cinema americano ao longo das décadas de 60 e 70, a começar por Martin Scorsese, além de que a sua presença no mercado americano (nomeadamente nos circuitos especializados de DVD) tem sido uma constante.
A maior surpresa ou, pelo menos, a mais desconcertante ambiguidade da lista de homenageados da Academia tem a ver com o nome de Francis Ford Coppola. É bem verdade que o autor de O Padrinho (1972), Apocalypse Now (1979) e Rumble Fish (1983) nunca foi uma personalidade estranha à indústria de Hollywood. Aliás, nos Oscars, possui um curriculum invejável, com nada mais nada menos que cinco estatuetas douradas, três das quais obtidas, em 1975, com O Padrinho II (nas categorias de filme, realização e argumento adaptado). Em todo o caso, Coppola não vai receber um Oscar, mas sim o prestigiado Prémio Irving G. Thalberg. E esse é um prémio que distingue, muito especificamente, um produtor.
Mais do que isso: a Academia reserva-se o direito de não o atribuir anualmente, de tal modo que, desde a sua criação há mais de 70 anos (o primeiro, para Darryl F. Zanuck, foi entregue em 1938), apenas foi concedido 37 vezes, distinguido personalidades como Walt Disney (1942), Jack L. Warner (1959) ou Steven Spielberg (1987). A questão que emerge é esta: como avaliar a consagração de Coppola como produtor, sobretudo tendo em conta que, depois de The Rainmaker/O Poder da Justiça (1997), a sua actividade criativa está claramente desligada dos grandes estúdios de Hollywood? Nos últimos anos, através de títulos como Uma Segunda Juventude (2007) e Tetro (2009), tem sido mesmo um militante da produção “alternativa” em video digital, assumindo-se como produtor dos seus filmes e controlando directamente a respectiva distribuição.
Haverá quem veja nesta consagração o reflexo de algum “cinismo” de Hollywood, tentando reintegrar aqueles que, por diversas circunstâncias, foi afastando dos seus centros de decisão. Talvez... afinal de contas, a natureza humana não é estranha às atribulações cinematográficas, mesmo se importa lembrar que a Academia não é (longe disso) uma emanação directa das direcções dos estúdios. Assim, podemos interpretar o gesto da Academia de forma menos acintosa: mesmo escrevendo direito por linhas tortas, ao atribuir o prémio Thalberg a Coppola, Hollywood está a valorizar, implicitamente, alguém que, ao longo das décadas, soube utilizar de forma invulgar os recursos da grande indústria, mas também o minimalismo da produção independente.