FOTO Estela Silva/EPA
Carlos Queiroz transformou-se numa personagem central das mais recentes imagens portuguesas (e da identidade portuguesa através das imagens) -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 de Julho).
Em termos mediáticos, as recentes atribulações da selecção portuguesa de futebol constituem uma matéria plural e fascinante. A avalancha de imagens é tão asfixiante quanto interessante: graças às peculiaridades do YouTube, descobrimos mesmo o desabafo de Cristiano Ronaldo para Carlos Queiroz (“Assim vamos perder, Carlos”), no jogo com a Espanha, no momento da substituição de Hugo Almeida.
Momento alto foi a transmissão televisiva da conferência de imprensa de Carlos Queiroz, um dia depois da equipa portuguesa ter sido eliminada pelos espanhóis. E não estou a pensar necessariamente no surrealismo das palavras do seleccionador. De facto, no desporto e noutras actividades altamente mediatizadas como a política, há muito não víamos um vencido empenhado em passar um tão obstinado discurso positivo, para mais justificando-o através da afirmação da “verdade” e da defesa da sua “honra”: há em Queiroz uma claridade quixotesca que, apesar do seu absurdo (ou precisamente por causa dele), não pode deixar de nos suscitar uma desarmada perplexidade.
O que aconteceu é tanto mais bizarro quanto nem sequer existiam grandes razões desportivas para dramatizar a eliminação da equipa portuguesa. A esse propósito, não ignoro que este meu desencanto envolve factores de avaliação que são minoritários. Dito de outro modo: pertenço ao lote de treinadores de bancada há muito tempo dominados por uma magoada descrença nas possibilidades da nossa selecção. E não tenho nenhum gosto pelos mecanismos de “culpabilização” individual (de Queiroz ou seja de quem for). Considero mesmo que na época de Luiz Felipe Scolari (foto) se iniciou um processo de descaracterização do futebol da selecção, gerando uma equipa fragmentária e incaracterística, por certo “brilhante” sempre que apanha pela frente o Lichenstein ou a Coreia do Norte, mas que baqueia nos momentos realmente decisivos (final do Euro2004, meias-finais do Mundial de 2006, etc.). É bem verdade que os resultados dos jogos de futebol não têm nada de científico, nem dependem da “justiça” que quase todos os comentadores invocam, mas neste processo de metódica decomposição a derrota com a Espanha pareceu-me apenas tristemente normal.
Ora, precisamente por causa disso, foi deprimente voltarmos a ouvir as perguntas “jornalísticas” que indiciam uma visão do futebol que tem tanto de determinismo como de requentado nacionalismo. Na conferência de imprensa de Queiroz e também em diversas reportagens televisivas (e radiofónicas, meu Deus...), voltou a manifestar-se esse pobre imaginário que enquadra o futebol como um permanente tribunal popular e, no limite, como um drama das “frustrações” da identidade nacional. Culpados, inocentes, carrascos, vítimas, fogueiras na praça pública... Vale tudo. Fiquei à espera que alguém nos dissesse também que a Espanha tem uma excelente equipa. Aliás, foi Queiroz quem o disse. E José Mourinho.