O filme Eu Sou o Amor, de Luca Guadagnino, lança-nos numa vertigem de memórias a que chamaremos hipótese cinéfila. Através de quê? Visconti, Visconti, Visconti. E também o Pasolini de Teorema (1968), assombrando a história da família de Milão decomposta pelas suas paixões internas. Mas nada disso decorre de nenhum princípio publicitário de imitação, nem sequer de citação. Com uma excepção que vale a pena referir. A certa altura (mais precisamente na cena de São Remo), quando Tilda Swinton procura o homem que não pertence ao seu mundo financeiro, ela usa exactamente o mesmo arranjo de cabelo [imagem grande — sugere-se um click para ver maior] de Kim Novak no Vertigo (1958), de Hitchcock [fotograma]: uma hélice que parece perder-se no silêncio da cabeça, conservando as razões do seu próprio enigma. Escusado será insistir no facto de tal detalhe de mise en scène ser um dos muitos com que Hitchcock exacerba a carga sexual da sua história — o sexo não é tudo, mas está em tudo (e tanto mais que a visão da cabeça de Novak provém de um plano subjectivo de James Stewart). Guadagnino herda da máquina hitchcockiana a certeza abstracta de que a imagem não é a superfície que reflecte ou reproduz o mundo, mas um buraco sem fundo em que esse mesmo mundo aceita contemplar a sua perdição — olhar é, afinal, desejar não ver. Amor, sexo e poder, portanto, não necessariamente por esta ordem.