domingo, maio 16, 2010

Entre o jazz e a clássica

A criação de pontes entre universos musicais aparentemente separados resulta muitas vezes em descobertas que abrem novos caminhos e alargam horizontes. Um dos mais célebres episódios de cruzamento de fronteiras na história da música acontece quando, em 1924, George Gershwin leva a uma sala de concerto a estreia de uma obra que cruzava a tradição “clássica” ocidental com uma nova música que nascia então na América: o jazz. Rhapsody In Blue foi um “clássico” instantâneo, acabando por contribuir para um processo de definição do que era, afinal, a música americana. Esta tornou-se numa das mais tocadas e gravadas das obras do século XX. Uma nova gravação, pela Baltimore Symphony Orchestra (dirigida por Marin Alsop), e com o pianista Jean-Yves Thibaudet (na foto) como solista, retoma os arranjos originais para jazz band (com o tempo uma versão de maior fôlego orquestral ganhou visibilidade), juntando outras duas obras marcantes na relação de Gershwin com as referências do mundo do jazz: o Concerto para Piano (estreado em 1925) e as ‘I Got Rhythm’ Variations (de 1934).

O pianista francês, nascido em Lyon em 1961, trabalhou já por diversas vezes com várias orquestras americanas, e conta na sua discografia com discos nos quais tocou transcrições de improvisações de Bill Evans ou Duke Ellington. A sua familiaridade com os universos do jazz revela-se uma vez mais nesta abordagem às versões para jazz band, sob os arranjos de Ferde Grofé). A abordagem a Rhapsody In Blue corresponde mesmo à forma original da composição revolucionária que surpreendeu tudo e todos em 1924 (Grofé assinaria mais tarde novos arranjos para a mesma obra em 1926 e 1942). Já a abordagem “jazzística” ao Concerto para Piano resulta de novos arranjos que Grofé criou três anos depois da estreia da obra no Carnegie Hall, numa ocasião em que, apesar dos aplausos, deixara os presentes perpelxos e em dúvida sobre se o que tinham escutado seria jazz ou música clássica. “Está claramente entre duas cadeiras – a da clássica e a do jazz – e podemos avançar, em graus diferentes, para uma ou para outra”, defende o pianista numa entrevista que o booklet inclui. Esta abordagem jazzística ao Concerto para Piano não foi inteiramente pacífica, o compositor não sentindo a necessidade de novos arranjos, que entretanto aprendera a fazer. Durante anos, após a morte do compositor, “não houve autorização para que esta versão fosse gravada, pensando-se que se estaria a ir contra a sua vontade”, recorda Marin Alsop na mesma entrevista. Por motivos históricos as retrições foram levantadas. E na verdade ficámos todos a ganhar, como este disco tão bem sublinha.