N.G. - O segundo dos três concertos que a Gustav Mahler Jugendorchester está a apresentar na agenda da presente temporada na Gulbenkian propôs um dos mais cativantes programas do ano, juntando duas peças sinfónicas que, cada uma da sua forma, evoca momentos de mágoa e assombração ligados a episódios concretos em memórias do século XX. O adágio da Sinfonia Nº 10 de Mahler (que a morte do compositor não deixou terminar) não apenas representa um comovedor epílogo da sua obra, como transporta uma carga de dor que acaba por sugerir uma puslão narrativa a uma música que nasce num tempo de consciência de uma relação extra-conjugal da sua mulher, Alma. “Viver por ti! Morrer por it”, palavras escritas no esboço do último andamento da sinfonia, quase parecem definir um espaço íntimo de tormenta que a música veicula. De outra dor trata a Sinfonia Nº 13 de Shostakovich, também conhecida como Babi Yar. O nome alude à ravina perto de Kiev que entrou na história por ter assistido a um dos mais célebres massacres em plena II Guerra Mundial no qual (e como o recorda o programa do concerto) se calcula que terão sido mortas 120 mil pessoas pelos alemães, entre as quais judeus, pessoas de etnia cigana, doentes de um hospital psiquiátrico e prisioneiros de guerra. A sinfonia nasceu de um poema de 1961 de Evgueni Evtouchenko, no qual se evocava não apenas o massacre mas também o que o poeta apontava como latente anti-semitismo russo.
A orquestra juvenil europeia (que nasceu há quase 25 anos de uma ideia de Claudio Abbado, ainda hoje o seu director artístico) abordou ambas as obras com pungente fulgor, de facto assombrada no adágio de Mahler, e depois capaz de traduzir o espantoso jogo de contrastes que reside no carácter narrativo que acompanha a evolução da sinfonia de Shostakovich. Destaque-se ainda o trabalho notável do baixo Mikhail Petrenko e do Coro Gulbenkian, que brilharam no Shostakovich. Algo tímido, mas seguro, o jovem maestro alemão David Afkham confirmou porque é apontado como um dos nomes a ter em conta entre os grandes talentos da sua geração.
PS. Nota menos entusiástica para “aquele” silvo quase permanente – e bem exterior ao programa - que incomodou não apenas a plateia, mas possivelmente também a orquestra, coro, solista e maestro, durante a sinfonia de Shostakovich…