N.G.: Foi mesmo uma viagem no tempo. E com dois destinos distintos, que na verdade acabaram por ver as distâncias (e fronteiras) de tempo que os separavam diluídas pelos jogos de afinidades que o programa tão bem sublinhou… Com a presença em palco do Theatre of Voices e do NYYD Quartet, sob a direcção de Paul Hillier, o Grande Auditório da Gulbenkian transportou os que ali passaram o serão por caminhos que ora visitaram ecos de memórias da música medieval (escutando, entre outras, obras de Pérotin, Machaut e Dufay) ora mostraram como a sua herança se projectou, de forma tão profunda, em alguma da música de Arvo Pärt (em concreto passando por uma obra dos anos 70 e duas dos 80, a primeira das quais em primeira audição local na sua nova versão).
O modo como o concerto foi estruturado soube privilegiar a busca de afinidades entre a música de duas épocas distintas que, distantes no tempo, afinal partilham interesses e formas. O segmentar da Missa Syllabica de Pärt (na foto) em fragmentos, entrecruzados com peças de tempos mais remotos, vincou, de forma assombrosa, as genéticas que a definiram… De resto, nas obras apresentadas de Arvo Pärt notam-se, a partir de um interesse reflectido sobre a música medieval (fundamental no processo de reinvenção da sua linguagem como compositor em finais dos anos 70), sinais de caminhos que buscaram novos horizontes (discretamente aflorando em apenas dados momentos algumas marcas de assimilação de ideias escutadas entre os minimalistas, mas sem a intensidade estrutural que Pärt levou a composições como Alina ou Fratres). Além da ideia que definia o programa, a brilhante prestação de ambos os grupos que partilharam o palco fez desta noite um dos momentos maiores da presente temporada.