domingo, março 21, 2010

E Charles Darwin foi à ópera

Quem, em meados do século XX, afirmava que a ópera era um espaço acabado, certamente não imaginaria que, algumas décadas depois, teria de discretamente retirar o que havia dito… Bom, na verdade nunca saiu de cena, nomes como os de Britten ou Henze sendo alguns dos que mais e mais importantes óperas assinaram no século XX. Mas na verdade, e sobretudo depois de determinantes contribuições nos anos 70 e 80 – como o foram Einstein On The Beach, de Philip Glass, o ciclo Licht, de Stockhausen, o Nixon In China de John Adams ou a própria “rendição” de Messiaen a este território no sublime Saint François d’Assisse – a ópera não só regressou aos horizontes de trabalho de inúmeros compositores como, e cada vez mais, ensaia caminhos de contacto com outros espaços da invenção musical. Nos últimos anos assistimos, entre outras, às estreias de importantes obras assinadas por, entre outros, Thomas Adès, Michael Daugherty ou Kaija Saariaho. Mais uma importante contribuição para o estado de vibrante vitalidade da ópera no presente chega, curiosamente, de “fora de portas”. Ou seja, assinada por uma série de músicos que, até aqui, navegavam, por caminhos da música popular. Nada contra… Antes pelo contrário. Tem por título Tomorrow, In A Year e foi composta pela dupla sueca The Knife, em colaboração com Mt Sims e Planningtorock.

A ideia partiu da companhia dinamarquesa Hotel Pro Forma, que desafiou os suecos The Knife a criar uma ópera inspirada pela figura de Charles Darwin. Das primeiras leituras e demais processo de recolha que antecedeu a composição surgiu um definir de caminhos directamente a partir dos textos (e contexto) de A Origem das Espécies, daí nascendo uma narrativa que assim mergulha nos universos de Darwin, das suas visões e descobertas aos medos que também povoavam a sua alma. A música, essencialmente electrónica, parte directamente do que conhecíamos dos caminhos antes seguidos pelos The Knife. Mas juntam uma ideia de desafio, seja pela forma como aceitam integrar ideias mais próximas de uma música experimental que das faces melodistas da tradição pop, seja pela integração do canto lírico. Estreada em palco (ainda com algumas produções futuras em agenda), a ópera surge agora em disco numa gravação que conta com as vozes de Kristina Wahin, Laerke Winther e Johathan Johansson, contando a espaços com a presença dos próprios The Knife, de Mt Sims e Planningtorock.

Esta é uma música desafiante, que abre importantes espaços a caminhos de diálogo que o mundo da ópera pode (e deve) saber explorar num futuro próximo. Pena apenas que, pelo menos para já, a edição em disco se limite ao registo áudio (em dois CD), já que, pelas fotos e vídeos disponíveis, fica claro que que um registo em DVD seria determinante complemento directo a esta obra… E, já agora, não há palco por estes lados que nos traga este Tomorrow, In a Year?


Imagens de vários momentos da ópera Tomorrow In A Year.