Não é propriamente um novato, mas o dinamarquês Kasper Bjorke surpreendeu muito boa gente quando, em finais de 2009, apresentou em Young Again (com a contribuição da voz do cantor indie, seu compatriota, Jacob Bellens) um dos mais interessantes momentos do ano no universo da canção pop talhada a electrónicas. Pop, com uma cadência que não esconde genéticas disco, mas em clima de intrigante melancolia, foi mesmo uma das canções do ano. Aos 33 anos, com uma carreira de já mais de dez anos na produção (e prémios já somados ao currículo), Kasper Bjorke tem dividido nos tempos mais recentes a sua actividade como autor por dois caminhos em paralelo, arrumando a produção de alma mais pop e disco sob assinatura em nome próprio (os caminhos mais profundos de exploração electrónica apresentando-os como Kasper Bjorke & His Friendly Ghost). Em Standing On Top Of Utopia estamos claramente em terreno "Kasper Bjorke". O single Young Again (que surge perto do início do alinhamento) é um claro ponto de partida para o que o álbum nos revela depois. Sucessor de In Gumbo (disco de 2007 do qual saiu Doesn’t Matter, que chegou a conhecer uma remistura por Juan McLean), o álbum é mais um exemplo de uma agitação, que parte do disco para reinventar o presente, que continua a gerar interessantes pólos de acção no Norte da Europa. Uma pop electrónica, animada por dinâmicas de quem conhece a pista de dança, mas que não limita a oferta às luzes da festa, ciente antes da contribuição de jogos de contraste que, somando algum desencanto, definem aqui caminhos menos óbvios e, assim, mais estimulantes, tanto nas canções como nos temas instrumentais, alguns de personalidade quase cinematográfica. Claramente um disco a descobrir (e por enquanto, ao que parece, sem distribuição local assegurada).
Kasper Bjorke
“Standing On Top Of Utopia”
HFN Music
4 / 5
Para ouvir: MySpace
Poucas bandas entram em cena com uma canção tão cativante como o fizeram os The Drums, em 2009, com Let’s Go Surfing. Naturais de Brooklyn (Nova Iorque), revelam contudo no seu EP de estreia, Summertime (que a estas bandas chega agora, trazendo alguma luminosidade pop em tempo de invernia) uma atitude que não os limita a caminhos herdeiros do surf rock de 60, abrindo de resto o leque das referências a azimutes mais vastos que o que poderia ser sugerido pelo single de estreia. Estão aqui as marcas surf, claro, mas mais interessadas na exploração do contexto estival que na simples celebração do acto de andar sobre as ondas. Nem falta, por exemplo, como em Sadest Summer, um sentido de contraste que sempre morou no lado B da pop solarenga de 60 (Brian Wilson, por exemplo, cantava Lonely Sea logo entre os primeiros álbuns dos Beach Boys). Mas os The Drums vão mais longe. E em Don’t Be A Jerk Johnny não escondem um interesse pela pop indie de 80, algo nas periferias de uns New Order pré-Blue Monday. Já Down By the Water sugere o que poderia ser o cruzamento de ecos dos Cure (nos seus primeiros tempos) com um travo festivo em latitudes nada britânicas... Este interesse pelas heranças new wave, somado às outras marcas de personalidade que se afirmam neste EP de sete temas, destacam assim os The Drums entre a multidão das promessas para 2010. E neste EP têm, simplesmente, um irresistível cartão de visita.
The Drums
“Summertime”
Moshi Moshi Record / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace
São poucos os discos que nos deixam, depois de uma primeira audição, sem saber exactamente onde estamos… E o álbum de estreia de Marina and the Diamonds é um exemplo disso mesmo, não sendo claro, à partida, se estamos em domínio pop mainstream com um pouco mais de ousadia que o habitual (ou seja, o campeonato Lady Gaga) ou se, antes, num domínio de berço indie (ao jeito de uma Annie), mas tão acessível e directo que não terá dificuldades em fazer o crossover para um outro patamar… As audições subsequentes apontam mais para a primeira das hipóteses. E mesmo não sendo a galesa Marina Diamandis (o seu verdadeiro nome) uma Lady Gaga, o seu álbum de estreia revela uma das mais cativantes propostas ostensivamente pop mainstream que 2010 já viu nascer. Cruzam-se aqui várias ideias e eventuais referências, de Lene Lovich (será que é “à boleia” de Marina que a redescobrem?) aos Sparks, não esquecendo uns Eurythmics (na etapa em que eram interessantes, ou seja, antes de 1984)… Tudo isto com uma voz que por vezes parece de escola Tori Amos, mas depois de um golpe nos rins… O álbum apresenta uma mão cheia de canções feitas de força pop, originalmente bem talhadas na escrita mas depois igualmente bem apoiadas na produção. Luz, viço, passam por canções como I Am Not a Robot, Hollywood ou Hermit The Frog, o todo confirmando em Marina Diamandis um nome a seguir com atenção.
Marina and The Diamonds
“The Family Jewels”
679 Records / Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace
O espaço a que poderíamos chamar pop/rock de câmara (facção indie) tem conhecido nos últimos tempos uma cada vez mais evidente adesão de vários artistas e bandas, com as mais diversas histórias pessoais e origens geográficas. Os Album Leaf serão um exemplo de um caminho peculiar, resultado de uma progressão que partiu de universos que em tempos se viam referidos como pós-rock, a sua obra na verdade remontando aos dias de 90, sendo o seu novo disco, A Chorus Of Storytellers o quinto que editam. Criado pouco depois de uma aventura que os levou a criar uma banda sonora alternativa para o clássico Aurora, de Murnau (para um festival de cinema em Seattle), o disco revela sinais evidentes da presença de uma referência maior deste universo algo “sinfonista”: Jon Birgisson (esse mesmo, o vocalista dos Sigur Rós). O álbum assenta, mais que numa colecção de canções, na criação de um ambiente… Pede por isso tempo e atenção… E liberta-nos num terreno algures em geografia a Norte, mas sem coordenadas visíveis. É um terreno melancólico, toldado por nuvens, pouco habitado, o predomínio dos temas instrumentais sobre as canções (apenas quatro dos onze temas são vocais) acentuando um despojamento que acentua o clima lançado. Importante na caracterização dos ambientes são as discretas presenças de elementos electrónicos que sublinham uma identidade presente numa música que traduz mais ecos de memória que desejos em inventar, à viva força, um futuro.
The Album Leaf
“A Chorus Of Storytellers”
Sub Pop / Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace
A ideia de fazer discos unicamente constituídos por versões não é hoje paragem tão frequente como em tempos idos, mas é sempre desafio de desfecho incerto, com resultados dispares, raros atingindo um patamar semelhante ao que nos revelou a consequente soma (e assimilação) de visões de um Bowie em Pin Ups (1973). Peter Gabriel propõe uma ementa gourmet de 12 versões em Scratch My Back… E à partida a colecção de nomes convocada entusiasmava, juntando, entre outras, canções dos Talking Heads, Lou Reed, Magnetic Fields ou David Bowie… A ideia não era exactamente a de repetir, tout court, o modelo do álbum de versões, mas antes seguir o exemplo da frase que sugere o título – coças as minhas costas, que eu coço as tuas – o álbum de Peter Gabriel devendo ser acompanhado por um disco-companheiro, com os nomes convocados a responder, com versões de temas seus… O calendário não permitiu a concretização da ideia total, e para já só temos costas coçadas num sentido. Autor por excelência, Peter Gabriel tentou aqui chamar as canções a uma agenda pessoal, experimentando arranjos onde se revela um interesse pelo trabalho com orquestra (com boas orquestrações de John Metcaife)… Não são meras aplicações de fórmulas, nem manobras de karaoke com instrumentação diferente… Mas nem sempre a coisa resulta. Se num My Body Is A Cage (Arcade Fire) o caminho escolhido vê luz ao fundo do túnel, em muitos outros casos o mesmo se não pode dizer. E por ambiciosas que sejam as intervenções em Heroes de Bowie ou Street Spirit dos Radiohead, as leituras na verdade acabam por não abrir novas visões sobre os originais, perdendo-se antes o Norte algures a meio do caminho…
Peter Gabriel
“Scratch My Back”
Real World / EMI Music
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana:
Joanna Newsom, David Byrne + Fat Boy Slim, Efterklang, Bomb The Bass, Groove Armada, Chumbawamba, Lightspeed Champion, Elvis Costello, Lady Gaga (remixes), Andreas Scholl
Brevemente:
8 de Março: The Knife, 2 Door Cinema Club, Broken Bells, Gorillaz, Pavement, Liars, Visage (best of), New Young Pony Club, Jimi Hendrix, Josh Rose Jimi Hendrix, Blood Red Shoes
15 de Março: Jonsi Birgisson, White Stripes (CD + DVD), Osvaldo Golijov, Brad Mehldau, Glee (banda Sonora), Jagga Jazzist, She & Him, Love Is All, Mick Karn
22 de Março: Ruby Suns, Goldfrapp, Autechre, Colourfield (reedição), She & Him, Galaxie 500 (reedições), Xiu Xiu Black Rebel Motorcycle Club
Março: Titus Andronicus, Nathalie Merchant, Rogue Wave, Liars, Josh Rouse, Love Is All, She + Him, Broken Bells, Liars, Pavement (best of), White Stripes
Abril: Rufus Wainwright, MGMT, Lali Puna, We Have Band, Apples In Stereo, Trans AM, Paul Weller, Caribou, Broken Social Scene