Quem é que tem razão?
Quem é que não tem?”
Judite de Sousa
RTP1, 8 de Fevereiro de 2010
Foi deste modo que Judite Sousa interrogou António Vitorino (a propósito da legislação das Finanças Regionais recentemente aprovada). O discurso envolve um lapso que vale a pena registar — e sobre o qual aqui se propõe alguma reflexão.
Não que se pretenda favorecer a vergonhosa estética dos “apanhados” que, tantas vezes, predomina no espaço televisivo. Consiste essa estética em tratar o lapso (para mais, quase sempre induzido) como pretexto para diminuir aquele que o comete, não poucas vezes em forma de “festiva” humilhação. O certo é que há detalhes que são sintomáticos — é esse o valor real do lapso, ou seja, o sintoma —, permitindo-nos entender um pouco dos valores dominantes no jornalismo televisivo.
O que é cristalino nestas palavras — e tanto mais que foram precedidas da ideia segundo a qual o público não percebe o que está a acontecer — é o seu encadeado argumentativo: descrever o que se passa, isto é, tentar inventariar os factos é, automaticamente, dividir o mundo entre os que têm razão e os que não têm razão.
Tratava-se, eventualmente, de saber a quem é que António Vitorino atribuía a razão (e a não razão). Dispensemos a discussão sobre que sentido faz pedir isso a um comentador político. O certo é que, mesmo tratando-se de conhecer o ponto de vista do questionado, o discurso está marcado por uma falácia: pressupõe que um ponto de vista (neste caso, sobre a conjuntura política) tem como ponto de fuga uma dicotomia simplista a que, supostamente, todos iremos aquiescer.
O que é que esta postura televisiva recalca? Três coisas, pelo menos:
1 – os factos são matéria de conhecimento, logo de interpretação, não de razão;
2 – a razão é uma dimensão que só pode nascer de um gigantesco e nunca acabado labor (séculos de filosofia convocam-nos para tal), não da iluminação privilegiada seja de quem for;
3 – a política vive-se na tensão permanente entre diversas razões, tensão potencialmente frutuosa.