
Em 2009, surgiu um filme americano cujas características podem simbolizar a confluência de dois factores historicamente determinantes: por um lado, a integração dos novos recursos digitais; por outro lado, o modo como essa integração está a alterar todas as componentes do cinema, desde a produção à narrativa.
A acreditar nas manchetes que têm dominado os media nos últimos meses, esse filme só pode ser Avatar. Em todo o caso, mesmo reconhecendo a imensa importância industrial do filme de James Cameron, estou a pensar em The Girlfriend Experience, de Steven Soderbergh. Trata-se, aliás, de um título indissociável de todo um conjunto de experiências deste cineasta com equipamento digital (nomeadamente com a câmara Red One) que, só ao longo do último ano, nos trouxe também outros dois prodigiosos objectos: Che, evocação anti-romântica de Che Guevara, e O Delator!, desconcertante comédia dramática que proporciona a Matt Damon a melhor composição da sua carreira.
The Girlfriend Experience, ainda inédito no mercado português, é o retrato de uma call girl de Nova Iorque. O facto de a personagem central ser interpretada por Sasha Grey (um nome do cinema pornográfico) ainda suscitou algumas notícias mais ou menos “especulativas” em torno do filme de Soderbergh. O certo é que a sua fraca performance financeira rapidamente o condenou ao esquecimento. Sabemos que o mercantilismo mais rasteiro domina uma grande parte do noticiário sobre cinema, condenando, à partida, os filmes de fraco investimento (ou rendimento). Tendo em conta que o orçamento de The Girlfriend Experience foi ligeiramente superior a um milhão de dólares, teria sido interessante noticiar, pelo menos, que o dinheiro gasto na produção de Avatar permitiria fazer uns 250 filmes com meios semelhantes aos que Soderbergh utilizou.
