O mais recente filme de Woody Allen, Tudo Pode Dar Certo, é pretexto para revisitarmos o seu trabalho narrativo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 de Fevereiro), com o título 'Woody Allen ou a arte de contar histórias'.
Vivemos numa sociedade viciada nas miragens da tecnologia: quase tudo o que tenha alguma carga “futurista” é promovido à condição de “razão” universal e incontestável. Não que possamos menosprezar as maravilhas que acontecem graças a computadores, telemóveis e seus derivados. Acontece que a celebração unilateral dos avanços tecnológicos tende a banalizar uma dimensão fundamental (e milenar) do ser humano: a de contador de histórias.
Woody Allen, por exemplo. A estreia do seu mais recente filme, Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works no original) não suscitou as fanfarras mediáticas, especialmente televisivas, que protegem qualquer objecto a que se associe o rótulo de “efeitos especiais”; na Europa, o continente de Carl Dreyer, Sergei Eisenstein, Jean Renoir, Ingmar Bergman e Jean-Luc Godard, algum jornalismo evoluiu (?) mesmo no sentido de apenas se interessar pelo cinema enquanto montra de novos gadgets tecnológicos. Vindo do cinema americano, também muitas vezes reduzido a uma fábrica de efeitos especiais (visão simplista e infinitamente redutora), Woody Allen é o exemplo vivo dessa arte de contar histórias e da sua tocante universalidade.
Nos últimos anos, face à fraca performance do seu trabalho nas salas dos EUA, Woody Allen tinha procurado (e encontrado) alternativas de produção noutros contextos. O facto de Tudo Pode Dar Certo [cartaz] representar o regresso do argumentista/realizador a Nova Iorque, depois de quatro títulos rodados na Europa, está longe de ser secundário. É verdade que entre esses títulos se inclui Match Point (2005), aventura sentimental inglesa sustentada por um dos seus mais sofisticados argumentos da última década. Seja como for, Woody Allen continua a ser um caso exemplar do modo como a ligação a uma determinada geografia (física, afectiva e cultural) pode ser um factor determinante nas histórias que se contam. Os seus filmes não são narrativas que tenham a grande metrópole como “pano de fundo”, uma vez que Nova Iorque surge e, por assim dizer, renasce como verdadeira personagem: as ruas, os recantos, o desenho do horizonte ou as simples variações da luz são elementos vivos, muito para além de qualquer função banalmente decorativa.
Reencontramos em Tudo Pode Dar Certo o carinho pelos contrastes do tecido urbano que pontua alguns dos momentos mais emblemáticos da obra de Woody Allen, por exemplo em títulos como Annie Hall (1977), Manhattan (1979), Broadway Danny Rose (1984), Ana e as Suas Irmãs (1986) ou Maridos e Mulheres (1992). No filme de 1979, a célebre imagem de Diane Keaton e Woody Allen sentados, contemplando a ponte de Manhattan, constitui um símbolo de um cinema sensível à sensualidade dos cenários, a ponto de, com o passar do tempo, se ter transformado também num dos ex-libris mais universais do imaginário novaiorquino.
Vivemos numa sociedade viciada nas miragens da tecnologia: quase tudo o que tenha alguma carga “futurista” é promovido à condição de “razão” universal e incontestável. Não que possamos menosprezar as maravilhas que acontecem graças a computadores, telemóveis e seus derivados. Acontece que a celebração unilateral dos avanços tecnológicos tende a banalizar uma dimensão fundamental (e milenar) do ser humano: a de contador de histórias.
Woody Allen, por exemplo. A estreia do seu mais recente filme, Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works no original) não suscitou as fanfarras mediáticas, especialmente televisivas, que protegem qualquer objecto a que se associe o rótulo de “efeitos especiais”; na Europa, o continente de Carl Dreyer, Sergei Eisenstein, Jean Renoir, Ingmar Bergman e Jean-Luc Godard, algum jornalismo evoluiu (?) mesmo no sentido de apenas se interessar pelo cinema enquanto montra de novos gadgets tecnológicos. Vindo do cinema americano, também muitas vezes reduzido a uma fábrica de efeitos especiais (visão simplista e infinitamente redutora), Woody Allen é o exemplo vivo dessa arte de contar histórias e da sua tocante universalidade.
Nos últimos anos, face à fraca performance do seu trabalho nas salas dos EUA, Woody Allen tinha procurado (e encontrado) alternativas de produção noutros contextos. O facto de Tudo Pode Dar Certo [cartaz] representar o regresso do argumentista/realizador a Nova Iorque, depois de quatro títulos rodados na Europa, está longe de ser secundário. É verdade que entre esses títulos se inclui Match Point (2005), aventura sentimental inglesa sustentada por um dos seus mais sofisticados argumentos da última década. Seja como for, Woody Allen continua a ser um caso exemplar do modo como a ligação a uma determinada geografia (física, afectiva e cultural) pode ser um factor determinante nas histórias que se contam. Os seus filmes não são narrativas que tenham a grande metrópole como “pano de fundo”, uma vez que Nova Iorque surge e, por assim dizer, renasce como verdadeira personagem: as ruas, os recantos, o desenho do horizonte ou as simples variações da luz são elementos vivos, muito para além de qualquer função banalmente decorativa.
Reencontramos em Tudo Pode Dar Certo o carinho pelos contrastes do tecido urbano que pontua alguns dos momentos mais emblemáticos da obra de Woody Allen, por exemplo em títulos como Annie Hall (1977), Manhattan (1979), Broadway Danny Rose (1984), Ana e as Suas Irmãs (1986) ou Maridos e Mulheres (1992). No filme de 1979, a célebre imagem de Diane Keaton e Woody Allen sentados, contemplando a ponte de Manhattan, constitui um símbolo de um cinema sensível à sensualidade dos cenários, a ponto de, com o passar do tempo, se ter transformado também num dos ex-libris mais universais do imaginário novaiorquino.