Normalmente perguntamos de que fala um político perante os microfones dos repórteres. Deveríamos antes questionar o que é possível dizer — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 de Fevereiro), com o título 'José Sócrates no nosso "Big Brother"'.
Vivemos num mundo em que as imagens podem ser magníficos objectos de conhecimento e prazer. Em todo o caso, a conjuntura portuguesa gerou uma nova e inquietante formulação “jornalística” sobre o papel das imagens: até mesmo a sua ausência pode ser promovida a elemento pertinente de avaliação política. Assim, o facto de José Sócrates já ter contornado (“pela porta das traseiras”) a espera dos repórteres é tido como sinal da vileza do seu carácter.
Bem sei que o meu ponto de vista é minoritário no meio jornalístico. Mas se isso aconteceu, só lamento que o exemplo do primeiro-ministro não seja seguido pela totalidade da classe política (quase toda ela instalada na pusilanimidade de não querer discutir os valores dominantes no espaço televisivo). De facto, ainda ninguém me explicou porque é que as minhas responsabilidades como cidadão ficam enriquecidas pelo facto de ver um político, seja ele quem for (insisto: seja ele quem for), acossado por uma dúzia de microfones e, por vezes, algumas perguntas meramente provocatórias. Que lógica humana ou humanista pode fazer com que esta estética grosseira, herdada da obscenidade do Big Brother, seja entendida como método pertinente de conhecimento de uma pessoa?
Sei também que a hipocrisia dominante tende a reduzir este ponto de vista a uma mera “colagem” política. Também aí, convenhamos, a surpresa é nula: a miséria ideológica em que vivemos faz com que seja automaticamente “suspeito” questionar as formas correntes do jornalismo fulanizado, especulativo e insinuante. O certo é que, em poucos anos, estamos a viver o segundo capítulo de tiro ao alvo jornalístico cujos méritos sociais permanecem por demonstrar: primeiro aconteceu com Pedro Santana Lopes, tratado como marioneta anedótica até à sua queda; agora, José Sócrates é objecto de um processo estruturalmente semelhante.
Tudo isto, entenda-se, nada tem a ver com a gravidade das questões que possamos vislumbrar. Admitamos mesmo como válida a hipótese, formulada por alguns, de que José Sócrates é um perigoso salteador que ameaça a integridade do Estado português. O certo é que nada disso conseguirá rasurar o tremendo efeito de desgaste que este processo está a produzir no papel, também ele público e político, da classe jornalística.
Parece-me, aliás, produto de um deslumbrado infantilismo o facto de alguns jornalistas aceitarem como definitiva a noção de credibilidade para enquadrar as atribulações da cena política, sem vislumbrarem que, globalmente, é a credibilidade do próprio jornalismo português que está em causa. Vale a pena, a esse propósito, evocar as lições do cinema. Quando, em 1976, Alan J. Pakula filmava Os Homens do Presidente, sobre a investigação do caso Watergate, o tema não era o “carácter” de Richard Nixon, mas o labor jornalístico. Corremos o risco de esquecer que se tratava de um filme realista, não de uma divagação romântica.