segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Em conversa: Brillante Mendoza (1/4)

Iniciamos hoje a publicação integral de uma entrevista com o realizador Brillante Mendoza que serviu de base ao artigo ‘Novo olhar pelo cinema filipino’ publicado na edição de 30 de Janeiro do DN Gente. O realizador passou recentemente por Lisboa, para participar num ciclo dedicado à sua obra apresentado na Culturgest.

Nos últimos anos temos visto vários filmes filipinos em festivais de cinema e por vezes até mesmo a vencer prémios. Há mesmo algo de novo no cinema Filipino? E sente-se parte desse movimento?
Há neste momento um renascimento no cinema filipino, basicamente, em primeiro lugar, por causa da tecnologia digital. Ajuda muito... Nos anos 70 já havia um cinema independente nas Filipinas, com realizadores como Nick de Ocampo ou Kildat Tahimik. Mas não tinham muita exposição internacional, não porque os temas dos seus filmes não interessassem, mas devido a várias limitações, nomeadamente económicas. Era caro o filme em Super 8 nessa altura, e muito mais em 16mm, para nem falar nos 35 mm... Era preciso esperar para conseguir apoios para financiar os filmes. Tudo muda em 2005, sobretudo por causa de vitórias em festivais de cinema internacionais de filmes como The Blossoming Of Maximo Oliveros [de Auraeus Solito] ou, claro, Masahista, que venceu o Leopardo de Ouro em Locarno. As portas foram abertas... Esses filmes fizeram com que, globalmente, se reparasse na existência deste cinema filipino. E o que se passou depois é que a coisa não ficou por aí. Continuou. Houve outros realizadores... Depois houve filmes até em Cannes, e não apenas meus. Tudo isso inspirou muitos realizadores filipinos...

O espectador médio filipino vê e conhece este cinema?
Neste momento já sabe que existe. Mas saber que existe não é o mesmo que dizer que o aceita.

Ou seja, conhece mas não é espectador?
Sim, é isso. As pessoas sabem deste cinema porque se fala dele nas notícias... Fala-se que fazemos bons filmes, que somos bons realizadores. Há reconhecimento. Mas é o que há... Ainda temos de lutar para conseguir acabar as filmagens. E felizmente tenho um produtor francês, com quem fiz os meus três últimos filmes. Mas a história é diferente com outros realizadores, que têm de procurar financiamento, produtores, encontrar apoios no sector privado. É difícil... Mas o lado bom de tudo isto é o facto de haver a consciência da existência de um cinema independente e alternativo nas Filipinas do presente. É ainda difícil conseguir um público, mas para nós tudo isto é um começo. Vai ser uma viagem longa até captar um público ao cinema mainstream...

Imagem do filme 'Kinatay' (2009)


O cinema mainstream filipino difere muito do seu actual cinema independente?
É muito diferente. O cinema mainstream segue muito uma ideia de fórmulas. E quando digo fórmulas falo no facto de se fazerem melodramas e tudo o que esteja próximo ou aparentado a Hollywood. Há copy cats... Mas não critico, porque na verdade é aquilo a que muitos foram expostos. Eu próprio fui exposto a esse tipo de cinema durante a maior parte da minha vida. Creio que faço parte de um grupo de novos realizadores que só recentemente começaram a fazer um outro tipo de cinema para o público filipino. É mesmo algo novo para o público filipino e temos de ser pacientes nesta partilha do nosso cinema com todos eles. Com o tempo talvez acabem por gostar do nosso cinema...

Diz então que o circuito internacional de festivais foi importante para a afirmação deste novo cinema filipino?
Claro... Temos de reconhecer o trabalho dos festivais porque são os lugares perfeitos para mostrar os nossos filmes. Mostrar os nossos filmes nas Filipinas, sem grandes nomes e sem antes terem sido apresentados em festivais, faria com que algumas pessoas nem se atrevessem a ir vê-los. As pessoas vão ver estes filmes porque eles passaram por grandes festivais de cinema. Vão ver por si como são... Ajuda, portanto. Mas as coisas não acabam nos festivais. Depois é preciso ter um público a quem mostrar os filmes. Não podemos depender apenas dos festivais a todo o tempo. Num momento o produtor acaba por pedir algo em retorno, porque investiu o seu dinheiro, por mais pequeno que tenha sido o orçamento. Querem ver o seu dinheiro de volta, mas essa é outra história. Fazer um filme e levá-lo a um festival é uma história. Depois dos festivais e dos prémios, é outra. E para nos mantermos neste trabalho é também uma outra história. É uma luta que nunca acaba...

(continua amanhã)