quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Discos da semana 2010 (5)

A capa mostra a imagem do que parece ser a memória, algo remota, de uma paisagem idílica. Projectamo-la algures nos Alpes. O interior do booklet, por sua vez, revela fotos, no presente, de uma zona reclamada pela natureza mais de cem anos depois de uma derrocada que apagara uma aldeia alpina do mapa… É deste contraste entre a luz e as trevas que surge a música que o alemão Hendrick Weber apresenta no terceiro álbum que edita como Pantha du Prince. Três anos depois do magnífico This Bliss, que se fez importante referência nos domínios do techno minimal, Black Noise apresenta-se como um decidido passo em frente. Do percurso anterior do alter-ego que o músico alemão tem vindo a criar, o novo disco toma algumas pistas, mas procura ir mais além, sugerindo mais que apenas uma cenografia, um quadro emocional que parte das imagens e das histórias que comportam, juntando elementos instrumentais que vincam o “programa” paisagista que acolhe estes olhares. O disco foi na verdade gravado na montanha cujas imagens compõem o booklet, a relação entre o lugar, a sua história e vivência no presente acabando inevitavelmente por se projectar numa música que transcende, por todos estes referenciais, uma ideia de pura abstracção. Ganha corpo, espaço, tempo. A maior das novidades surge, a meio do alinhamento, numa colaboração com Panda Bear, dos Animal Collective, no que se revel uma peculiar abordagem à canção (com magníficos resultados, sublinhe-se) em Stick To My Side. Black Noise é já um disco a reter entre os momentos que vão certamente marcar a música electrónica de 2010.
Pantha du Prince
‘Black Noise’

Rough Trade / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Chegaram a ser marcadas datas para Portugal. Mas, canceladas pouco depois, deixaram uma vez mais adiada a estreia em sala de uma digressão dos Pet Shop Boys por estas terras. Não se entende, de facto… É certo que um registo em áudio e vídeo não substitui nunca a experiência de um espectáculo ao vivo. Mas, uma vez mais, é assim que a esmagadora maioria dos que entre nós seguem o mais sólido e inteligente dos grupos pop dos últimos 25 anos vai “viver” a Pandemonium Tour. Apresentado em regime duplo (CD + DVD), Pandemonium é, no mínimo, o retrato de um concerto que, como poucos, sabe entender o mais profundo sentido do que é ser pop. Das canções, que correm várias etapas da obra do duo (com algum protagonismo para as da recente, e gourmet, colheita Yes), juntando uma versão de Viva La Vida dos Coldplay (tal como a cover que em tempo fizeram dos U2, mais saborosa que a versão original), nada apontar senão o facto de estarem no ponto certo. No palco, numa encenação onde as ligações às formas e cores sugeridas na capa de Yes são ponto de partida para magníficas derivações e quadros as canções ganham uma dimensão visual em tudo consequente. Nos extras do DVD há telediscos, um hino de Natal e ainda uma versão de My Girl, dos Madness, ao vivo. O CD apresenta, por seu lado, parte representativa do alinhamento. Perdemos um grande concerto!
Pet Shop Boys
‘Pandemonium’
Parlophone / EMI Music
4 / 5
Para saber mais: site oficial


Em tempos conhecendo uma existência menos visível e em regime de vida pararela aos Okkervil River, os Shearwater são hoje uma banda em tudo “independente”, concentrando o protagonismo das atenções de Jonathan Meibug (que nas horas vagas mantém viva a sua antiga paixão pela ornitologia, que muitas vezes o levou já a missões científicas em várias paragens, sobretudo no hemisfério sul do globo). The Golden Archipelago surge dois anos depois de Rook (talvez o momento maior da obra do grupo) e, partindo dos climas que o haviam dominado, segue num azimute semelhante, revelando apenas mais evidente contrastes entre a placidez e texturas de algumas composições de alma invernal e o ocasional expressar mais vivo e musculado de certas angústias, subindo o tom da voz e a intensidade dos cenários (aqui revelando o que, mais que nunca, se apresenta como ecos de memórias prog rock). Musicalmente continuamos em terreno que não se limita às soluções habituais em terreno indie rock, mantendo a banda o gosto pelo trabalho com outros instrumentos, ensaiando as suas potencialidades em jogos que dão corpo e espaço a estas canções. A capa, de resto, deixa claro para onde vai esta música…
Shearwater
‘The Golden Archipelago’
Matador / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Há dois anos, com um album de estreia com título invulgarmente longo – Rest Now Weary Head, You Will Get Well Soon – o alemão Konstantin Gropper captava focos de atenção não apenas localmente, mas em vários territórios europeus, colhendo uma série de favoráveis opiniões perante um disco de canções com gosto por uma evidente eloquência (por vezes resvalando para o barroco, é verdade). A música revelava mais uma ideia pop indie de alma sinfonista em clima pós-Arcade Fire, mas com uma mão cheia de canções interessantes a sublinhar que não se tratava de uma mera aplicação de papel químico. Dois anos depois, e com uma presença numa banda sonora de Wim Wenders pelo caminho, um segundo álbum de Get Well Soon vem agora, sem fugir ao rumo antes definido, confirmar tanto o melhor como o pior do que o disco anterior nos mostrara. O melhor? O cuidado nos arranjos e na execução, criando uma noção de teatralidade em canções com uma segura noção de espaço. O pior? Uma talvez equívoca relação com a escrita, numa sucessão de quadros que acabam afinal inconsequentes apesar de convocarem referências a nomes como Séneca ou Herzog. É como uma magnífica encenação de um fraco texto para teatro… E sem o texto, convenhamos, não há peça que resista…
Get Well Soon
‘Vexations’

City Slang / Nuevos Medios
2 / 5
Para ouvir: MySpace


No capítulo das desilusões, os Depeche Mode figuraram entre os autores de um dos maiores discos-tropeção de 2009. E em 2010 os Massive Attack candidatam-se ao mesmo estatuto. Passaram sete anos desde 100th Window… E quase vinte desde o mítico Blue Lines, um dos álbuns mais importantes na definição dos caminhos que a música popular seguiria nos anos 90. A expectativa era portanto enorme. E Splitting The Atom, lançado algum tempo antes como aperitivo, revelara, sem sinais de grandes mudanças é certo, mais um belo encontro entre a canção, o dub e climas assombrados. Heligoland, contudo, revela agora uma banda confortavelmente instalada numa espécie de soma de lugares comuns de si mesma. Não se lhes pede nova revolução. Já fizeram uma. Mas a relação com as suas marcas de personalidade, em vez de experimentarem derivações (como o fizeram em Mezzanine ou 100th Window, o primeiro ensaiando a distorção, o segundo filigranas feitas de electrónicas), optaram pelo que parece mais uma lógica de lounge pront-a-ouvir, candidatando-se o disco a figurar naquele departamento do chique moderno onde rumaram uns Gotan Project ou De-Phazz. Há alguns momentos interessantes, nomeadamente na colaboração com Hope Sandoval ou em Girl I Love You, pelo incontornável Horace Andy. Mas confronte-se esta música com a dos reactivados (e também veteranos) Bomb The Bass e constate-se como uma das mais visionárias bandas de 90 se transformou numa presença quase inconsequente.
Massive Attack
‘Heligoland’

Virgin / EMI Music
2 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Marina and The Diamonds, Ali Farka Toure + Toumani Diabate, David Byrne + Fat Boy Slim, Toro Y Moi, Xiu Xiu, Efterklang, Kasper Bjorke

Brevemente:
1 de Março: The Knife, Bomb The Bass, 2 Door Cinema Club, Joanna Newsom, Groove Armada, Chumbawamba, Lightspeed Champion, Blood Red Shoes, Elvis Costello, Lady Gaga (remixes), Andreas Scholl, Rogue Wave
8 de Março: Broken Bells, Gorillaz, Black Rebel Motorcyle Club, Pavement, Liars, Goldfrapp, Visage (best of), New Young Pony Club, Jimi Hendrix, Josh Rose
15 de Março: Jonsi Birgisson, White Stripes, Osvaldo Golijov, Brad Mehldau, Glee (banda Sonora), Jagga Jazzist, She & Him, Love Is All, Mick Karn

Março: Jonsi Birisson, Ruby Suns, Goldfrapp, White Stripes, Titus Andronicus, Jimi Hendrix, Nathalie Merchant, Rogue Wave, Black Rebel Motorcycle Club, Liars, Josh Rouse, Love Is All, She + Him, Broken Bells, Liars, Pavement (best of), White Stripes
Abril: Rufus Wainwright, MGMT, Lali Puna, We Have Band, Apples In Stereo, Trans AM, Paul Weller

PS. Os textos sobre os discos de Pantha du Prince e Shearwater são versões editadas de críticas já publicadas na revista NS