Bruscamente neste Inverno compreendemos que vivemos sob a ameaça da censura...
Tenho, confesso, o desencanto banal dos nossos dias. Ou seja: sou dos cidadãos que não alimenta ilusões sobre o facto de os laços entre poder político e poder económico serem uma componente visceral — nem "boa" nem "má", mas estruturante como agora se diz — da vida em democracia.
Podemos e, certamente, devemos valorizar o enquadramento legal desses laços e, se for caso disso, discutir, pensar e repensar os seus efeitos práticos. Que é como quem diz: o modo como a sua existência se exprime, inevitavelmente, nos produtos (jornais, revistas, rádios, televisões, etc.) que chegam aos consumidores — cada um de nós, portanto.
Em todo o caso, há qualquer coisa de ostensiva pornografia na instalação deste conceito (?) segundo o qual o jornalismo tem o dom de ser uma espécie de expressão imaculada e angelical que só pode existir num paraíso onde não haja resistências, desde as institucionais às mais subtilmente simbólicas. Como se o mundo mediático existisse no mais disparatado maniqueísmo: de um lado, as paisagens românticas onde os jornalistas se exprimem com cândida e virginal liberdade; do outro... a censura!
Tudo isto seria apenas pateta e patético, se não estivesse a provocar algo de mais fundo e inquietante: o apagamento brutal da memória da censura como elemento interior da história portuguesa do século XX. Quando em Portugal, no ano da graça de 2010, qualquer sobressalto jornalístico é imediatamente conotado com algum princípio censório, aí já estamos a perder memória. E a perder a nossa relação com o presente — isto é, a inteligência de vivermos no presente.