Situado numa aldeia alemã do começo do século XX, O Laço Branco é um prodigioso retrato das lógicas familiares e da sua envolvência com os valores religiosos e as estruturas políticas — estas perguntas/repostas foram trocadas com Michael Haneke, via e-mail, e serviram de base ao artigo 'Michael Haneke filma os desvios perversos da educação religiosa', publicado no Diário de Notícias (15 de Janeiro).
Os seus filmes contam normalmente, histórias contemporâneas. Será que o facto de O Laço Branco se situar no começo do século XX mudou os seus conceitos de realização?
Para mim, era importante sublinhar uma forma de incerteza e distanciação, e daí a voz off. Filmei a preto e branco porque todas as representações do início do século são a preto e branco: fizemos pesquisas precisas sobre a época, através de imagens, jornais, ilustrações. O que importa é encontrar uma representação adequada ao tema.
Por vezes, por exemplo em Cannes, o filme foi considerado menos uma narrativa realista e mais uma parábola política (sobre a Alemanha). Concorda com essa leitura?
A minha tarefa enquanto artista não a ilustração de factos históricos, mas a elaboração de argumentos em torno de personagens. Se isso se inscreve num contexto histórico, político ou cultural, tanto melhor, mas no meu trabalho a questão é secundária.
As personagens de O Laço Branco são muito ricas e complexas, por vezes compreendemos que os “maus” acreditam totalmente na pureza das suas acções. Parece-lhe que uma moral assaz violenta pode ignorar os efeitos dos seus princípios (e também da sua prática)?
A personagem do pastor, por exemplo, é uma figura trágica, uma vez que sente amor pelos filhos e está intimamente convencido de estar a agir no seu melhor interesse. Até ao momento em que compreende que os seus preceitos conduzem a um impasse. É a educação que é perversa, não ele. Naquela época, bater nas crianças era natural. O contrário é que não o era. Quando o professor lhe dá conta das suas suspeitas em relação aos seus filhos, recusa-se ouvi-lo, uma vez que isso significaria colocar em causa tudo aquilo em que acredita, todo o sistema educativo.
Que título da sua filmografia considera mais próximo de O Laço Branco? E porquê?
Parece-me que todos os autores, ou todos os que se reivindicam como tal, regressam aos mesmos temas, em função das suas preferências intelectuais ou emocionais. Os meus filmes abordam todos sensivelmente os mesmos temas. Seja como for, procuro em todos eles desencadear um processo de reflexão no espectador. Um filme não é um produto “acabado”: conclui-se na cabeça do espectador.
Num entrevista recente, na revista Film Comment, disse que, hoje em dia, vê sobretudo filmes “antigos”. Em todo o caso, será que pode citar dois ou três títulos recentes (digamos, dos últimos dois anos) que tenha gostado de descobrir?
Interessa-me muito o trabalho de Lars von Trier. Ele é, seguramente, o que leva mais longe o trabalho com os actores. Gosto muito dos irmãos Dardenne. E estou muito interessado no trabalho de Valeria Bruni-Tedeschi enquanto realizadora: ela encontrou um estilo que é só dela.
Os seus filmes contam normalmente, histórias contemporâneas. Será que o facto de O Laço Branco se situar no começo do século XX mudou os seus conceitos de realização?
Para mim, era importante sublinhar uma forma de incerteza e distanciação, e daí a voz off. Filmei a preto e branco porque todas as representações do início do século são a preto e branco: fizemos pesquisas precisas sobre a época, através de imagens, jornais, ilustrações. O que importa é encontrar uma representação adequada ao tema.
Por vezes, por exemplo em Cannes, o filme foi considerado menos uma narrativa realista e mais uma parábola política (sobre a Alemanha). Concorda com essa leitura?
A minha tarefa enquanto artista não a ilustração de factos históricos, mas a elaboração de argumentos em torno de personagens. Se isso se inscreve num contexto histórico, político ou cultural, tanto melhor, mas no meu trabalho a questão é secundária.
As personagens de O Laço Branco são muito ricas e complexas, por vezes compreendemos que os “maus” acreditam totalmente na pureza das suas acções. Parece-lhe que uma moral assaz violenta pode ignorar os efeitos dos seus princípios (e também da sua prática)?
A personagem do pastor, por exemplo, é uma figura trágica, uma vez que sente amor pelos filhos e está intimamente convencido de estar a agir no seu melhor interesse. Até ao momento em que compreende que os seus preceitos conduzem a um impasse. É a educação que é perversa, não ele. Naquela época, bater nas crianças era natural. O contrário é que não o era. Quando o professor lhe dá conta das suas suspeitas em relação aos seus filhos, recusa-se ouvi-lo, uma vez que isso significaria colocar em causa tudo aquilo em que acredita, todo o sistema educativo.
Que título da sua filmografia considera mais próximo de O Laço Branco? E porquê?
Parece-me que todos os autores, ou todos os que se reivindicam como tal, regressam aos mesmos temas, em função das suas preferências intelectuais ou emocionais. Os meus filmes abordam todos sensivelmente os mesmos temas. Seja como for, procuro em todos eles desencadear um processo de reflexão no espectador. Um filme não é um produto “acabado”: conclui-se na cabeça do espectador.
Num entrevista recente, na revista Film Comment, disse que, hoje em dia, vê sobretudo filmes “antigos”. Em todo o caso, será que pode citar dois ou três títulos recentes (digamos, dos últimos dois anos) que tenha gostado de descobrir?
Interessa-me muito o trabalho de Lars von Trier. Ele é, seguramente, o que leva mais longe o trabalho com os actores. Gosto muito dos irmãos Dardenne. E estou muito interessado no trabalho de Valeria Bruni-Tedeschi enquanto realizadora: ela encontrou um estilo que é só dela.