
N.G: Um dos momentos maiores da obra discográfica de Sir John Eliot Gardiner (não esquecendo naturalmente as integrais em curso das cantatas de Bach e da obra sinfónica de Brahms, via Soli Deo Gloria, a editora por si criada) foi, em meados de 90, uma espantosa e cativante abordagem à integral das sinfonias de Beethoven, que gravou com a Orchestre Revolutionaire et Romantique para a Archiv. Uma gravação que estabeleceu então importante peça de referência na história das chamadas interpretações “de época”… Grande conhecedor, portanto, da obra do compositor, o maestro deixou evidente essa relação de profunda intimidade com a sua música ao dirigir ontem a London Symphony Orchestra (num programa que hoje é apresentado em Madrid e nos próximos dias passará por Paris, Frankfurt e Londres), contando com a presença de Maria João Pires para o Concerto para Piano Nº 2 (que fechou a primeira parte do programa). Com a pianista as subtilezas de uma espantosa escrita para piano ganharam vida no palco do Coliseu dos Recreios. Numa igualmente magnífica Sinfonia Nº 6 a música projectou com clareza todo um conjunto de quadros feitos de imagens e sensações que evocam o bucolismo rural que correu como “programa” descritivo para Beethoven e que sublinha, de resto, o nome pelo qual a obra é também conhecida: Pastoral. Os gestos de Eliot Gardiner, de discreta elegância, eram, tal como a música que ganhava forma sob a sua direcção, a perfeita materialização, em noite lisboeta de início do século XXI, de uma obra criada numa outra época e num outro lugar, as suas intenções atravessando assim de forma rara o tempo e o espaço.