De que falamos quando falamos de cinema português? De que cinema falamos? E que relações tudo isso tem com o universo televisivo? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 de Janeiro), com o título 'Perdido por mil'.
Se é verdade que o Cinema Novo português herdou muito do imaginário da Nova Vaga francesa, creio que desde a sua primeira longa-metragem (Perdido por Cem, 1973), António-Pedro Vasconcelos terá tentado encontrar um lugar simbolicamente idêntico ao de François Truffaut: o de um cineasta que mantém uma voz pessoal, sem preconceitos de aplicar modelos de raiz popular. Não posso esconder que me choca que isso o tenha levado a demonizar o trabalho de alguém como Jean-Luc Godard, mas é um facto que a sua coerência e persistência são exemplares e exemplarmente respeitáveis. As diferenças decorrem, não do talento, mas da conjuntura de produção. Dito de outro modo: Truffaut filmava num contexto cujos mestres tinham nomes como Renoir, Guitry ou Franju; em Portugal, a mera sobrevivência económica do cinema continua duvidosa e o debate (?) cinéfilo permanece dominado pelo maniqueísmo do “pró-Oliveira” ou “contra-Oliveira”. Isto sem falarmos do facto de vivermos numa sociedade dominada por uma cultura televisiva que, todos os dias, marginaliza os valores cinematográficos.
A Bela e o Paparazzo é um sintoma, eufórico e angustiado, de tal estado de coisas. Ou seja: um filme que aposta em denunciar a ideologia da telenovela (incluindo a pornografia banal da imprensa cor de rosa), jogando nas convenções da... telenovela. Há nesta atitude qualquer coisa de salto para o abismo, a que não sabemos se reconhecer uma insólita cegueira simbólica ou uma comovente coragem sacrificial. António-Pedro, honra lhe seja feita, não perdeu algo que as telenovelas já nem tentam fingir: a paixão e o respeito pelo trabalho dos actores. Em todo o caso, como acreditar no romantismo desta história de clichés televisivos? Ou ainda: de que falamos quando falamos de cinema português?
Se é verdade que o Cinema Novo português herdou muito do imaginário da Nova Vaga francesa, creio que desde a sua primeira longa-metragem (Perdido por Cem, 1973), António-Pedro Vasconcelos terá tentado encontrar um lugar simbolicamente idêntico ao de François Truffaut: o de um cineasta que mantém uma voz pessoal, sem preconceitos de aplicar modelos de raiz popular. Não posso esconder que me choca que isso o tenha levado a demonizar o trabalho de alguém como Jean-Luc Godard, mas é um facto que a sua coerência e persistência são exemplares e exemplarmente respeitáveis. As diferenças decorrem, não do talento, mas da conjuntura de produção. Dito de outro modo: Truffaut filmava num contexto cujos mestres tinham nomes como Renoir, Guitry ou Franju; em Portugal, a mera sobrevivência económica do cinema continua duvidosa e o debate (?) cinéfilo permanece dominado pelo maniqueísmo do “pró-Oliveira” ou “contra-Oliveira”. Isto sem falarmos do facto de vivermos numa sociedade dominada por uma cultura televisiva que, todos os dias, marginaliza os valores cinematográficos.
A Bela e o Paparazzo é um sintoma, eufórico e angustiado, de tal estado de coisas. Ou seja: um filme que aposta em denunciar a ideologia da telenovela (incluindo a pornografia banal da imprensa cor de rosa), jogando nas convenções da... telenovela. Há nesta atitude qualquer coisa de salto para o abismo, a que não sabemos se reconhecer uma insólita cegueira simbólica ou uma comovente coragem sacrificial. António-Pedro, honra lhe seja feita, não perdeu algo que as telenovelas já nem tentam fingir: a paixão e o respeito pelo trabalho dos actores. Em todo o caso, como acreditar no romantismo desta história de clichés televisivos? Ou ainda: de que falamos quando falamos de cinema português?