Este é Tahar Rahim (melhor actor de 2009 nos Prémios do Cinema Europeu), brilhante protagonista de Um Profeta, filme que confirma a singularidade do trajecto do seu realizador, Jacques Audiard — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 de Janeiro), com o título 'Retrato de um herói trágico'.
Jacques Audiard é um nome que adquiriu especial visibilidade e reconhecimento graças a De Tanto Bater o Meu Coração Parou (2005), filme de estranha magia e especialíssimo objecto de culto do mais recente cinema francês. Que motivou tal culto? Provavelmente, o facto de Audiard se mover no interior de um género muito codificado (o policial), “forçando-o” a ecoar para além das suas convenções, abrindo para zonas inusitadas do comportamento humano. Dito de outro modo: De Tanto Bater o Meu Coração Parou era também um filme introspectivo que, em todo o caso, escapava a qualquer padrão corrente de “psicologia”.
Talvez se possa dizer algo semelhante a propósito de Um Profeta, produção de 2009 que arrebatou o Grande Prémio do Festival de Cannes (o segundo na hierarquia do certame). De alguma maneira, Audiard retoma aquela que parece ser uma das matrizes do seu trabalho: a saga de uma personagem que vive uma solidão brutal, agravada pela dificuldade de enraizamento em qualquer “comunidade”. Desta vez, o seu herói trágico é Malik (interpretado pelo notável Tahar Rahim), um jovem árabe que, numa prisão de França, vai lutar pelo seu reconhecimento no interior de um sistema de complexas ramificações internas e externas; de alguma maneira “adoptado” por César (Niels Arestrup, actor veterano, sempre uma presença extraordinária), líder de um gang da Córsega, Malik acaba por se descobrir inserido numa teia de cumplicidades e traições em que uma vida humana pode ter um valor irrisório.
A crueza da descrição da vida na prisão, com todas as suas formas de violência física, levar-nos-á a classificar Um Profeta como um filme de metódico e implacável realismo. O certo é que podemos (e, a meu ver, devemos) usar a palavra realismo num sentido muito mais abrangente e que, de alguma maneira, define a singularidade de Audiard na paisagem da actual produção francesa: ele é, afinal, um retratista de encadeamentos de factos através dos quais as suas personagens nucleares enfrentam o desafio extremo de construir uma identidade. Tal como o aprendiz de piano em De Tanto Bater o Meu Coração Parou, o jovem delinquente de Um Profeta é alguém que não sabe quem é, ou melhor, que tenta dizer “eu” através de um desesperado salto para a frente (tocar piano, sobreviver à violência do seu meio).
Dir-se-ia que a obra de Audiard começa a adquirir uma coesão temática e visual (realista, justamente) que não poderá ser separada do seu trabalho com o director de fotografia Stéphane Fontaine (também responsável pelas imagens de De Tanto Bater o Meu Coração Parou). De facto, Fontaine, também colaborador regular dos filmes de Arnaud Desplechin (por exemplo em En Jouant ‘Dans la Compagnie des Hommes’), é alguém capaz de explorar as cores de forma a criar um envolvimento que, sendo realista, implica também uma subtil visão poética dos corpos, da sua pele e da sua solidão.
Jacques Audiard é um nome que adquiriu especial visibilidade e reconhecimento graças a De Tanto Bater o Meu Coração Parou (2005), filme de estranha magia e especialíssimo objecto de culto do mais recente cinema francês. Que motivou tal culto? Provavelmente, o facto de Audiard se mover no interior de um género muito codificado (o policial), “forçando-o” a ecoar para além das suas convenções, abrindo para zonas inusitadas do comportamento humano. Dito de outro modo: De Tanto Bater o Meu Coração Parou era também um filme introspectivo que, em todo o caso, escapava a qualquer padrão corrente de “psicologia”.
Talvez se possa dizer algo semelhante a propósito de Um Profeta, produção de 2009 que arrebatou o Grande Prémio do Festival de Cannes (o segundo na hierarquia do certame). De alguma maneira, Audiard retoma aquela que parece ser uma das matrizes do seu trabalho: a saga de uma personagem que vive uma solidão brutal, agravada pela dificuldade de enraizamento em qualquer “comunidade”. Desta vez, o seu herói trágico é Malik (interpretado pelo notável Tahar Rahim), um jovem árabe que, numa prisão de França, vai lutar pelo seu reconhecimento no interior de um sistema de complexas ramificações internas e externas; de alguma maneira “adoptado” por César (Niels Arestrup, actor veterano, sempre uma presença extraordinária), líder de um gang da Córsega, Malik acaba por se descobrir inserido numa teia de cumplicidades e traições em que uma vida humana pode ter um valor irrisório.
A crueza da descrição da vida na prisão, com todas as suas formas de violência física, levar-nos-á a classificar Um Profeta como um filme de metódico e implacável realismo. O certo é que podemos (e, a meu ver, devemos) usar a palavra realismo num sentido muito mais abrangente e que, de alguma maneira, define a singularidade de Audiard na paisagem da actual produção francesa: ele é, afinal, um retratista de encadeamentos de factos através dos quais as suas personagens nucleares enfrentam o desafio extremo de construir uma identidade. Tal como o aprendiz de piano em De Tanto Bater o Meu Coração Parou, o jovem delinquente de Um Profeta é alguém que não sabe quem é, ou melhor, que tenta dizer “eu” através de um desesperado salto para a frente (tocar piano, sobreviver à violência do seu meio).
Dir-se-ia que a obra de Audiard começa a adquirir uma coesão temática e visual (realista, justamente) que não poderá ser separada do seu trabalho com o director de fotografia Stéphane Fontaine (também responsável pelas imagens de De Tanto Bater o Meu Coração Parou). De facto, Fontaine, também colaborador regular dos filmes de Arnaud Desplechin (por exemplo em En Jouant ‘Dans la Compagnie des Hommes’), é alguém capaz de explorar as cores de forma a criar um envolvimento que, sendo realista, implica também uma subtil visão poética dos corpos, da sua pele e da sua solidão.