sábado, janeiro 16, 2010

Haiti: as imagens compulsivas

Port-au-Prince
14 de Janeiro de 2010
FOTO de Jonathan Torgovnik (ao serviço da CNN)

>>> "Qual é a imagem que lhe ficou na cabeça?" <<<
Quem fez esta pergunta? Não sei — ouviu-se numa reportagem radiofónica sobre a chegada ao nosso país de três portugueses, sobreviventes do terramoto no Haiti. Aliás, esse carácter "anónimo" é uma boa razão para sublinhar as suas significações (ou seja: não se trata de "julgar" nem a pessoa que a fez, nem o órgão de comunicação para o qual trabalha, mas de avaliar o conceito profissional que assim se exprime).
Reflecte-se aqui a compulsão mais típica de muitas formas correntes de jornalismo: não interessa quem está à nossa frente; não se pratica nenhuma forma de distanciamento, muito menos de pudor, face à singularidade humana de qualquer indivíduo — o único valor (tendencialmente mercantil) que se reconhece a esse indivíduo é que ele possa ser um gerador de imagens.
No limite mais cruel, que este episódio ilustra de forma arrepiante, a sua imagem pode já ser indiferente: "ele que diga" que imagem lhe ficou na cabeça... Além do mais, esta é também uma forma de esclarecer os limites ontológicos que este tristíssimo jornalismo (se) reconhece: não há nenhuma fronteira simbólica, nem mesmo a cabeça do outro.