domingo, janeiro 24, 2010

Em conversa: Tiago Sousa (3/4)

Foto: Vera Marmelo

Continuamos a publicação integral de uma entrevista com Tiago Sousa, que serviu de base ao artigo “A música como forma de dizer aos outros quem é Tiago Sousa” publicado no DN a 14 de Dezembro, apresentando o álbum Insónia.

No disco sente-se mais a vontade de seguir um percurso que a eventual busca de um rótulo, ou um espaço concreto na música para ser mais preciso... É como um reencontro com esse caminho todo que foi percorrendo?
Neste momento isso é mesmo o mais interessante para mim. Procurar através da minha música quem eu sou. Como não escrevo, e não tendo assim o dom da palavra, a minha música tenta ser o mais possível a síntese daquilo que sou.

Podemos assim dizer que Insónia é um auto-retrato?
É um auto-retrato de um percurso que está a ser continuado. O próximo disco já está imaginado… E reflecte o passo seguinte. Não quero que a minha música transpareça algo que não sou. É muito simples, muito natural... E tenta transparecer, de alguma vez, todo este processo. Isso para mim é o que há de mais interessante na arte. Não gosto daquela arte que se põe em bicos dos pés.

No fundo, vê a música como um veículo de comunicação?
Acima de tudo comunicação, sim. É a forma que encontrei para expressar aquilo que sou... E mostrar isso às pessoas é uma necessidade intrínseca sem a qual não consigo viver. Expresso-me, comunico através da música, que espero que cada vez seja melhor e mais interessante.

Acredita mais no trabalho ou na inspiração?
Acredito que existe um trabalho e, acima de tudo, uma reflexão. Mas tenho alguma dificuldade em usar aqui aquela concepção de trabalho que temos na nossa sociedade. Lido mal com essa noção de ter um horário... Gosto de deixar as coisas livres. E as coisas vão acontecendo... Se tiver realmente empenhado, concentrado numa coisa ela sai-me. Mas se tiver uma obrigação , porque tenho de acordar todos os dias, já não funciona... Daí que a minha relação com o trabalho não seja muito estrita, muito cerebral. É de espontaneidade. Claro que existe trabalho. E cada vez mais dou importância a essa necessidade de trabalhar a técnica.

Mas não das nove às cinco… Como Nick Cave hoje em dia faz…
Não esse tipo de trabalho quase de escritório. Esse é um bom exemplo. Mas não nos podemos esquecer que muita da obra dele, aquela mais essencial, foi em más esquinas e a más horas...

É deste trabalho que quer viver?
Essa é uma questão complexa e tenho-a colocado a mim bastante. Tento não ter uma abordagem materialista à vida. E se calhar não me preocupa tanto poder dizer que isto é o meu trabalho. Para fazer este disco eu tive de trabalhar. Tive de arranjar um emprego em part time para arranjar dinheiro para o fazer... Para mim isto é um apêndice. Algo que sai de mim. E que lutei para que exista e esteja agora nas mãos das pessoas. Não me imagino a fazer outras coisas senão isto. Mas não enquadro isto no sentido de ser um trabalho para ganhar dinheiro, ter uma casa e uma família... Esse tipo de concepções não passam pela minha cabeça quando estou a fazer música.
(continua na próxima semana)