quinta-feira, janeiro 21, 2010

Discos da semana 2010 (2)

Editado em inícios de 2008, o álbum de estreia dos Vampire Weekend colocou imediatamente na linha da frente das atenções uma banda letrada, nascida em ambiente univeritário na Nova Iorque dos anos zero, e com vontade de somar num espaço comum uma vivência pop, um gosto gourmet nos arranjos e um encanto pelo apelo dos ritmos africanos, piscando à distância o olho a memórias desse clássico de Paul Simon que se chamou Graceland (e com parentes relativamente próximos em algumas aventuras de Peter Gabriel e David Byrne). Dois anos depois os Vampire Weekend não são mais apenas a banda em estreia promissora ao som de nacos de contagiantes luminosidade pop como Mansard Roof ou Cape Cod (Kwassa Kwassa). São autores de um dos melhores discos pop dos anos zero (precisamente a estreia). E assinam agora o primeiro grande disco dos anos “dez”. Contra é um disco que, na verdade, tem tudo a seu favor. Em nada evita as ideias lançadas no álbum anterior, pelo contrário faz questão de se manter fiel aos princípios que havia levantado. Mas mostra uma banda que, de facto, soube encontrar novos patamares e desafios nessa lógica de continuidade. Contra mantém firme uma ideia de canção aberta a temperos de melodismo pop e ritmos africanos, juntando depois cores vivas com sabor a ska e calypso, uma mais evidente presença das electrónicas e, no departamento da produção, uma mais firme sofisticação que colhe frutos do trabalho que Rostam Batmaglij desenvolveu, em paralelo, no projecto Discovery. White Sky, Run, Diplomat’s Son ou I Think Ur A Contra são apenas quarto possíveis referências a reter, num daqueles raros discos que não conhecem momentos menores.
Vampire Weekend
“Contra”

XL Recordings / Popstock
5/5
Para ouvir: MySpace


Lindstrom continua a sua odisseia através da revisitação (e reinvenção) de heranças do disco sound num novo álbum, desta vez partilhando o protagonismo com Christabelle, voz com a qual já havia trabalhado antes, embora no formato de máxi-single. Real Life Is No Cool pode ser visto como um episódio de progressão natural numa obra que, além dos caminhos trilhados em parceria com Prins Thomas já assinou interessantes mergulhos nas genéticas do disco (e em muito particular do hi-nrg), quer em máxis editados a solo (muitos deles recolhidos depois no fundamental It’s A Feedelity Affair, de 2007) quer num ensaio em forma de álbum em Where You Go I Go Too (em 2008). O novo disco recupera alguns episódios de anteriores colaborações entre Lindstrom e Christabelle (nomeadamente Let’s Practice e Music In My Mind), mas vive sobretudo de novas composições, todas elas canções. A presença do disco mora na medula dos acontecimentos. Porém, no lugar do paisagismo space disco de um I Feel Space (ainda assim o momento mair de toda a obra de Lindstrom) entram em cena olhares mais fechados em terrenos mais próximos ora de heranças de editoras como a West End Records de Mel Cheren, da obra de um Giorgio Moroder. Keep It Up evoca, embora sem a sua complexidade formal, a música de Arthur Russell. Entretanto, a admiração por Patrick Cowley não sai de cena (estando bem evidente, de resto, em Let It Happen). No fim respiramos fundo: o disco continua bem vivo e de boa saúde…
Lindstrom & Christabelle
“Real Life Is No Cool”
Feedelity Records
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Aos 15 anos de carreira os Eels são reconhecidos como um dos mais seguros entre os valores da canção americana do nosso tempo. De horozontes largos, a obra que E (na verdade chama-se Mark Olivier Everett) tem desenvolvido um percurso que foi já das heranças primordiais dos rock’n’roll a uma ideia de música pop/rock de câmara, aceitando arranjos para acolher a presença de um quarteto de cordas. Após um hiato entre Blinking Lights and Other Revelations (2005) e Hombre Lobo (2009) parece ter retomado o ritmo criativo dos primeiros dias em que se apresentou como Eels. E em End Time chega mesmo a apresentar uma das melhores colecções de canções da sua discografia recente. É um disco de cortante simplicidade, com alguns dos temas tendo sido registados literalmente a solo. Alternando entre o formato da balada e ligeiras incursões pelas heranças eléctricas do rhythm’n’blues, End Times é na essência um disco sobre o envelhecimento (com a própria ilustração da capa sugerindo desde logo o terreno em que nos encontramos). O disco é ao mesmo tempo uma reflexão sobre a solidão que resta depois do fim de uma relação, lançando todo um painel de sentimentos e observações que são o tutano da melancolia que atravessa as canções.
Eels
“End Times”

Vagrant / Nuevos Medios
4 / 5
Para ouvir: MySpace


E aqui está um modelo de disco que poderá conhecer seguidores num futuro muito próximo. Ou seja, um álbum que envolve uma banda de primeiro plano, mas cuja existência se resume ao circuito digital, sem edição física… Modelo do futuro (ou nem por isso, um dia teremos a resposta), o disco quase faz um by-pass total a uma série de estruturas e circuitos, entre o produtor e o consumidor… A banda de quem se fala são os Flaming Lips que, numa colaboração com os Stardeath and White Dwarfs (a banda do sobrinho de Wayne Coyne) e com participações de Henry Rollins e Peaches, recriam, de fio a pavio, o clássico Dark Side Of The Moon, álbum de 1973 dos Pink Floyd. Pela ordem com que os temas são apresentados no original, assim o colectivo os transforma e arruma na nova versão a que dá, por título completo The Flaming Lips and Stardeath and White Dwarfs with Henry Rollins and Peaches Doing The Dark Side of the Moon. Henry Rollins dá voz às sequências spoken work. Peaches participa em The Great Gig In The Sky. Os Flaming Lips e os Stardeath and White Dwarfs dividem entre si o alinhamento, The Great Gig In The Sky, Money e Us And Them recriados pelos primeiros, Time/Breathe e Brain Damage (numa leitura de aplaudir) pelos segundos, os restantes partilhados em conjunto. É uma abordagem interessante, de perfil lo-fi, angulosa a momentos, planante noutros instantes, capaz de mergulhar na alma das canções para as viver como se de um teatro de tratasse, sem mostrar receio de deixar a personalidade dos “actores” marcar a sua presença. Não é uma obra-prima mas, além de uma mão cheia de boas versões, levanta sobretudo algumas reflexões bem interessantes.
Flaming Lips (e outros)
“The Flaming Lips and Stardeath and White Dwarfs with Henry Rollins and Peaches Doing The Dark Side of the Moon”

Warner (edição apenas em formato digital)
3 / 5
Para saber mais: site oficial


Naturais de San Francisco (Califórnia), os Swell foram interessante força no quadro indie rock norte-americano de meados de 90, com melhores momentos registados no álbum de 1993 a que chamaram, simplesmente, 41. Foi na etapa seguinte a este disco que nasceram as canções que acabariam apenas por ver a luz do dia na forma de um “álbum perdido” em 2007 e que só na recta final de 2009 teve finalmente distribuição entre nós… Esta é, de facto, a história do disco a que acabaram mesmo por dar o título The Lost Album. Depois de 41, os Swell começaram a trabalhar numa série de novas canções, que foram registadas ora mesmo em casa, ora em sessões entre Los Angeles e Nova Iorque. Canções que acabariam todavia deixadas de lado quando, em 1997, finalmente seguiram outras ideias e apresentaram novo disco em Too Many Days Without Thinking. Encontradas mais de dez anos depois, as canções são como uma viagem no tempo a uma América indie em meados de 90. Estão aqui as marcas de perfil shoegazer que definiam o rumo da banda na época, uma mais evidente depuração de heranças folk face a 41 e uma ideia de sombras menos inspirada nos Joy Division (e afins) que as anteriormente reveladas. Não se trata de um tesouro resgatado ao esquecimento. Mas antes um episódio em falta no contar de uma história.
Swell
“The Lost Album”
Talitres / Compact Records
3 / 5
Para saber mais: site oficial


Também esta semana:
Owen Pallett, William Orbit, Nitzer Ebb (best of e caixa), Anne Sofie Von Otter, Cold War Kids

Brevemente:
25 de Janeiro: Beach House, David Bowie (live), Magnetic Fields, Laura Veirs, Charlotte Gainsbourg, Kanye West (Storytellers), RJD2, Spoon, Tindersticks, Georgie Fame (best of), Four Tet
1 de Fevereiro: Hot Chip, Get Well Soon, Los Campesinos, Midlake, The Mary Onettes, Soft Pack, Lightspeed Champion, Album Leaf, Dakota Suite, Marina & The Diamonds, Ocean Colour Scene, Peter Von Poehl
8 de Fevereiro: Pantha du Prince, Massive Attack, Sade, Yeasayer, Gil Scott Heron

Fevereiro: David Byrne, Shearwater, Ratatat, Peter Gabriel, Kasper Bjorke, Field Music, The Spinto Band, XiuXiu, Efterklang
Março: Jonsi Birisson, Ruby Suns, Goldfrapp, White Stripes, Titus Andronicus, Jimi Hendrix, Nathalie Merchant, Rogue Wave, Black Rebel Motorcycle Club, Liars, Josh Rouse, Love Is All, She + Him

PS. O texto sobre os Vampire Weekend é uma versão editada de uma crítica publicada na edição de 16 de Janeiro da revista NS.