Ao adaptar o livro clássico de Maurice Sendak, O Sítio das Coisas Selvagens, Spike Jonze demarca-se dos modos correntes de representar as crianças e a sua imaginação — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Janeiro), com o título 'Uma lição com crianças e monstros'.
Discutimos muito pouco o modo como as nossas crianças e adolescentes são representados nas formas correntes de ficção, em particular nas narrativas de raiz “telenovelesca”. E valia a pena fazê-lo, quanto mais não seja porque são muitas vezes reduzidos a clichés: os mais velhos parecem viver exclusivamente para actividades de cariz mais ou menos sexual; os mais novos não existem para além da sua relação com os jogos de computador... Repare-se: não se trata de sugerir que a electrónica não desempenha um papel fundamental da vida dos jovens, muito menos de supor que a sexualidade é estranha à sua existência. Nada disso. Trata-se, isso sim, de sublinhar o modo como tais referências, mesmo com raízes realistas, são muitas vezes trabalhadas como meros “emblemas”, mais ou menos caricaturais e pitorescos.
Seria, por isso, precipitado tratar um filme como O Sítio das Coisas Selvagens como um objecto “infantil” para ser servido com aquele paternalismo grosseiro que predomina nos shows televisivos com crianças. Por uma vez, encontramos uma narrativa em que a juventude do herói é feita de alegria, medo, paixões e contradições. Mais do que isso: a sua convivência com as figuras mais ou menos monstruosas não tem nada de maniqueísta, a ponto de percebermos que a pluralidade das emoções é muito maior do que, tantas vezes, acreditamos (ou queremos acreditar).
Aliás, se faz sentido valorizar assim o trabalho do realizador Spike Jonze, não é porque se pretenda considerar o cinema como um mero veículo de “mensagens”. A lição de Jonze é de outra natureza: a sua fábula só funciona porque nunca abdica de valorizar o cinema como arte singular de lidar com o factor humano.
Discutimos muito pouco o modo como as nossas crianças e adolescentes são representados nas formas correntes de ficção, em particular nas narrativas de raiz “telenovelesca”. E valia a pena fazê-lo, quanto mais não seja porque são muitas vezes reduzidos a clichés: os mais velhos parecem viver exclusivamente para actividades de cariz mais ou menos sexual; os mais novos não existem para além da sua relação com os jogos de computador... Repare-se: não se trata de sugerir que a electrónica não desempenha um papel fundamental da vida dos jovens, muito menos de supor que a sexualidade é estranha à sua existência. Nada disso. Trata-se, isso sim, de sublinhar o modo como tais referências, mesmo com raízes realistas, são muitas vezes trabalhadas como meros “emblemas”, mais ou menos caricaturais e pitorescos.
Seria, por isso, precipitado tratar um filme como O Sítio das Coisas Selvagens como um objecto “infantil” para ser servido com aquele paternalismo grosseiro que predomina nos shows televisivos com crianças. Por uma vez, encontramos uma narrativa em que a juventude do herói é feita de alegria, medo, paixões e contradições. Mais do que isso: a sua convivência com as figuras mais ou menos monstruosas não tem nada de maniqueísta, a ponto de percebermos que a pluralidade das emoções é muito maior do que, tantas vezes, acreditamos (ou queremos acreditar).
Aliás, se faz sentido valorizar assim o trabalho do realizador Spike Jonze, não é porque se pretenda considerar o cinema como um mero veículo de “mensagens”. A lição de Jonze é de outra natureza: a sua fábula só funciona porque nunca abdica de valorizar o cinema como arte singular de lidar com o factor humano.