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Para o melhor e para o pior, passámos a associar o vanguardismo cinematográfico “apenas” às grandes transformações tecnológicas. É óbvio que, desde as lentes grandes angulares usadas por Orson Welles em O Mundo a Seus Pés (1941) até às manipulações digitais dos irmãos Wachowski na trilogia Matrix (1999-2003), muitos gestos criativos são inseparáveis da integração mais ou menos experimental de novos instrumentos técnicos. Em todo o caso, nenhum desses instrumentos garante, por si só, qualquer diferença artística, muito menos qualquer marca de génio.
O caso de Jacques Demy serve de exemplo esclarecedor, tanto mais que o seu nome fica quase sempre “esquecido” quando inventariamos os nomes emblemáticos da Nova Vaga francesa: Godard, Resnais, Rivette, etc. Dir-se-ia que Demy foi um cineasta artesanal, entregue a uma missão que, para muitos, nas últimas décadas, se tornou impossível: revitalizar a tradição do género musical numa época (a partir dos anos 60) em que a decomposição dos modelos de Hollywood já se mostrava irreversível.
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Quando vemos ou revemos estes filmes, compreendemos que Demy nos convocava, não para um artifício mais ou menos fútil, mas para um peculiar realismo da fantasia. Para ele, as deambulações musicais são também uma via de entrada nos enigmas da alma. Anacrónico? Talvez. E, por isso, vanguardista.