Imagem inesquecível: as irmãs Catherine Deneuve e Françoise Dorléac na obra-prima de Jacques Demy, As Donzelas de Rochefort (1967): é um dos títulos de uma especialíssima edição em DVD que nos permite perceber que Demy sempre foi um paradoxal vanguardista — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 de Dezembro), com o título 'A vanguarda já não é o que era'.
Para o melhor e para o pior, passámos a associar o vanguardismo cinematográfico “apenas” às grandes transformações tecnológicas. É óbvio que, desde as lentes grandes angulares usadas por Orson Welles em O Mundo a Seus Pés (1941) até às manipulações digitais dos irmãos Wachowski na trilogia Matrix (1999-2003), muitos gestos criativos são inseparáveis da integração mais ou menos experimental de novos instrumentos técnicos. Em todo o caso, nenhum desses instrumentos garante, por si só, qualquer diferença artística, muito menos qualquer marca de génio.
O caso de Jacques Demy serve de exemplo esclarecedor, tanto mais que o seu nome fica quase sempre “esquecido” quando inventariamos os nomes emblemáticos da Nova Vaga francesa: Godard, Resnais, Rivette, etc. Dir-se-ia que Demy foi um cineasta artesanal, entregue a uma missão que, para muitos, nas últimas décadas, se tornou impossível: revitalizar a tradição do género musical numa época (a partir dos anos 60) em que a decomposição dos modelos de Hollywood já se mostrava irreversível.
Mais de quarenta anos passados sobre Os Chapéus de Chuva de Cherburgo e As Donzelas de Rochefort, percebemos que Demy não estava apenas a homenagear os clássicos de Hollywood (mesmo quando o fez de forma explícita, convidando Gene Kelly para contracenar com Catherine Deneuve e Françoise Dorléac em As Donzelas de Rochefort). O seu trabalho apostava numa relação peculiar entre música, canto e (melo)drama, relação essa que teve no compositor Michel Legrand um decisivo colaborador.
Quando vemos ou revemos estes filmes, compreendemos que Demy nos convocava, não para um artifício mais ou menos fútil, mas para um peculiar realismo da fantasia. Para ele, as deambulações musicais são também uma via de entrada nos enigmas da alma. Anacrónico? Talvez. E, por isso, vanguardista.
Para o melhor e para o pior, passámos a associar o vanguardismo cinematográfico “apenas” às grandes transformações tecnológicas. É óbvio que, desde as lentes grandes angulares usadas por Orson Welles em O Mundo a Seus Pés (1941) até às manipulações digitais dos irmãos Wachowski na trilogia Matrix (1999-2003), muitos gestos criativos são inseparáveis da integração mais ou menos experimental de novos instrumentos técnicos. Em todo o caso, nenhum desses instrumentos garante, por si só, qualquer diferença artística, muito menos qualquer marca de génio.
O caso de Jacques Demy serve de exemplo esclarecedor, tanto mais que o seu nome fica quase sempre “esquecido” quando inventariamos os nomes emblemáticos da Nova Vaga francesa: Godard, Resnais, Rivette, etc. Dir-se-ia que Demy foi um cineasta artesanal, entregue a uma missão que, para muitos, nas últimas décadas, se tornou impossível: revitalizar a tradição do género musical numa época (a partir dos anos 60) em que a decomposição dos modelos de Hollywood já se mostrava irreversível.
Mais de quarenta anos passados sobre Os Chapéus de Chuva de Cherburgo e As Donzelas de Rochefort, percebemos que Demy não estava apenas a homenagear os clássicos de Hollywood (mesmo quando o fez de forma explícita, convidando Gene Kelly para contracenar com Catherine Deneuve e Françoise Dorléac em As Donzelas de Rochefort). O seu trabalho apostava numa relação peculiar entre música, canto e (melo)drama, relação essa que teve no compositor Michel Legrand um decisivo colaborador.
Quando vemos ou revemos estes filmes, compreendemos que Demy nos convocava, não para um artifício mais ou menos fútil, mas para um peculiar realismo da fantasia. Para ele, as deambulações musicais são também uma via de entrada nos enigmas da alma. Anacrónico? Talvez. E, por isso, vanguardista.