“Richard Nixon tinha sido o papão da minha juventude”, recorda John Adams na sua autobiografia Hallelujah Junction (editada pela Faber & Faber em 2008). Era, como acrescenta logo depois, uma figura que associava às memórias dos “arrepios malignos da Guerra Fria, de televisores a preto e branco (...), da propaganda anticomunista e do conservadorismo nervoso e penetrante” que também lembra desses tempos. Mal imaginava nesses dias que, anos depois, tomaria o mesmo Richard Nixon como protagonista da sua primeira ópera. Chamou-lhe Nixon In China, evocando em concreto a viagem presidencial à China em 1972, levando para a sua música, além do então presidente norte-americano, a sua mulher Pat Nixon, Henry Kissinger, Mao Tsé-Tung, sua a mulher Chiang Ch’ing e Chou En-lai. A ópera representou o primeiro grande triunfo internacionalmente reconhecido para John Adams, lançando as bases de uma carreira hoje globalmente reconhecida como uma das mais marcantes da música dos dias em que vivemos.
Nascido em 1947 no Massachusetts, foi educado em ambiente liberal. Filho de uma voluntária em frequentes acções locais do Partido Democrata, viveu de perto uma série de campanhas eleitorais numa etapa em que residia em New Hampshire. O Estado, com reconhecido peso nas primárias (que elegem depois os candidatos de cada partido), é sempre alvo de atenção mediática. Daí que, entre as memórias de Adams mora bem claro, e numa altura em que tinha apenas 13 anos, o confronto eleitoral entre Nixon e Kennedy em 1960 (no qual este último ganhou a Casa Branca). Todavia, quando completa a sua educação, o cenário havia mudado. “Nixon, teimoso e tenaz (...) tinha regressado era agora presidente”, acrescenta o compositor no seu livro. Descreve-se então como “um daqueles jovens punks de quem Nixon dizia mal quando falava da sua imaginária ‘maioria silenciosa’, queixando-se da falta de patriotismo dos movimentos pacifistas”.
Determinante para a criação de Nixon In China são contudo outras recordações do antigo presidente, já em inícios dos anos 70. No Inverno de 1972, John Adams trabalhava numa loja de roupas. Vivia então em Berkley e, numa noite, frente ao seu pequeno televisor, viu o Air Force One a aterrar em Pequim, com Nixon, a sua mulher e o secretário de Estado Kissinger a ser recebidos por Chou En-lai. Onze anos depois, já com obras escritas e algum reconhecimento entre os mais atentos seguidores dos caminhos da música contemporânea, John Adams dava por si a revisitar esses momentos na sua primeira ópera, juntamente com Alice Goodman (autora do libreto) e Peter Sellars, que ia assinar a produção. Este último (nascido em 1957) havia sido recentemente nomeado director artístico do American National Theatre, tendo a sua juventude gerado alguma controvérsia. “O clima cultural na capital reflectia o gosto dos Reagan e a escassez de um público realmente sofisticado estava longe de fazer daquele o lugar indicado para o estilo de teatro do Peter. Mas poder projectar Nixon In China dentro das paredes de uma das sedes do poder nacional era inegavelmente um prazer subversivo”, confessa Adams em Hallelujah Junction.
Havia muito por onde escolher entre os factos e protagonistas da visita oficial que servia de base à ópera. O próprio Adams reconhece que o encontro entre Nixon e Mao traduzia uma espécie de “choque de titãs”. Cada um representava modelos política e socialmente antagónicos. Justificando o facto de a visita ter sido “encenada como um acontecimento mediático” e tendo em conta o carácter “vivo” de personagens que “literalmente pediam um tratamento operático”, compositor e libretista acabaram por ter as escolhas facilitadas. Estreada na Houston Grand Opera em Outubro de 1987, a ópera Nixon In China transformou-se rapidamente num caso de sucesso. A produção original passou pouco depois por Nova Iorque (concretamente em Brooklyn), Amesterdão, Edimburgo, Los Angeles, Paris e Frankfurt. Em 1988, uma primeira gravação chegava a disco na Nonesuch, sob direcção de Edo de Waart, à frente da Orchestra of St. Luke’s.
Musicalmente a ópera traduz uma influência visível dos modelos do minimalismo norte-americano, abrindo contudo frestas de atenção para outros interesses e destinos que, depois, a música de John Adams acabaria por tomar. As personagens centrais da ópera não são mais que os visitantes e os principais anfitriões que os acolhem. O primeiro acto abre com a expectativa antes da chegada do Air Force One. Segue-se a aterragem e os encontros oficiais entre Nixon, Kissinger, Chou En-lai e Mao Tse Tung que se lhe seguem. No segundo acto Pat Nixon e a mulher de Mao tomam algum protagonismo, entre cenas de visita a paisagens rurais e uma reflexão sobre propaganda. No terceiro acto, na última noite da viagem, os protagonistas visitam memórias dos respectivos passados.
A primeira gravação de Nixon In China chegou pela Nonesuch em 1988. 21 anos depois, a Naxos apresenta agora uma segunda gravação, com a Colorado Symphony Orchestra, dirigida por Marin Alsop. Entre as vozes contam-se Robert Orth (Nixon), Maria Kanyova (Pat Nixon), Thomas Hammons (Kissinger, que retoma o papel da gravação original), Marc Heller (Mao) e Tracy Dahl (Chiang Ch’ing). Esta é uma leitura intensa, com a orquestra tomada a pulso, todavía nas vozes perdendo em alguns casos na comparação com a leitura de 1988. Mesmo assim, e depois de uma soberda Missa de Bernstein, mais um feito notável num ano de grande forma para Marin Alsop.
A primeira gravação de Nixon In China chegou pela Nonesuch em 1988. 21 anos depois, a Naxos apresenta agora uma segunda gravação, com a Colorado Symphony Orchestra, dirigida por Marin Alsop. Entre as vozes contam-se Robert Orth (Nixon), Maria Kanyova (Pat Nixon), Thomas Hammons (Kissinger, que retoma o papel da gravação original), Marc Heller (Mao) e Tracy Dahl (Chiang Ch’ing). Esta é uma leitura intensa, com a orquestra tomada a pulso, todavía nas vozes perdendo em alguns casos na comparação com a leitura de 1988. Mesmo assim, e depois de uma soberda Missa de Bernstein, mais um feito notável num ano de grande forma para Marin Alsop.