Anna Mouglalis [foto] e Mads Mikkelsen são os brilhantes intérpretes de Coco Chanel e Igor Stravinsky num filme que recupera um certo espírito romanesco do cinema francês — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 de Novembro), com o título 'Na intimidade de Chanel'.O filme Coco Avant Chanel, de Anne Fontaine, com Audrey Tautou, parece ter gerado um novo interesse (cinematográfico) pela lendária figura da moda. Daí que sejamos tentados a ver em Coco Chanel & Igor Stravinsky, de Jan Kounen, filme oficial de encerramento do Festival de Cannes (no passado mês de Maio), uma espécie de sequela mais ou menos programada. Em boa verdade, trata-se de uma coincidência, já que estamos perante produções concretizadas praticamente em simultâneo. Em França, para evitar uma exibição demasiado próxima de ambos os títulos, o lançamento do filme de Kounen (que, em princípio, deveria acontecer logo depois de Cannes) foi mesmo transferido para Janeiro de 2010.
Se a comparação é inevitável, então importa sublinhar que Coco Chanel & Igor Stranvinsky consegue evitar as facilidades da biografia mais ou menos determinista (e televisiva) que tanto limitavam o trabalho de Anne Fontaine. Em boa verdade, é discutível que estejamos perante uma narrativa estritamente “biográfica”, quanto mais não seja por que a relação amorosa entre Coco Chanel (1883-1971) e o compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971) tem mais de especulação romanesca do que de registo histórico. Aliás, o filme baseia-se, precisamente, num romance (Coco & Igor) sobre esse “affaire”, da autoria do inglês Chris Greenhalg, também responsável pela respectiva adaptação cinematográfica.O maior mérito do filme de Kounen (nome do cinema francês nascido em 1964, em Utrecht, Holanda) decorre do seu laborioso intimismo. Assim, em vez de procurar “provas” para sustentar a sua ficção, Coco Chanel & Igor Stravinsky prefere assumir o simples facto de qualquer retrato psicológico envolver um misto de especulação emocional e pesquisa estética. Fundamental é, por isso, a delicada direcção de actores: Anna Mouglalis compõe uma Chanel secreta e apaixonada, mas também símbolo inevitável de uma nova “condição feminina”, enquanto Mads Mikkelsen (actor dinamarquês que assumiu o papel do vilão com que James Bond se confrontava no Casino Royale de 2006) nos expõe um Stravinsky em que coexistem a vertigem da paixão e o tenaz racionalismo da criação artística. Só por eles, vale a pena descobrir o filme.