domingo, dezembro 06, 2009

Na intimidade de Coco Chanel

Anna Mouglalis [foto] e Mads Mikkelsen são os brilhantes intérpretes de Coco Chanel e Igor Stravinsky num filme que recupera um certo espírito romanesco do cinema francês — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 de Novembro), com o título 'Na intimidade de Chanel'.

O filme Coco Avant Chanel, de Anne Fontaine, com Audrey Tautou, parece ter gerado um novo interesse (cinematográfico) pela lendária figura da moda. Daí que sejamos tentados a ver em Coco Chanel & Igor Stravinsky, de Jan Kounen, filme oficial de encerramento do Festival de Cannes (no passado mês de Maio), uma espécie de sequela mais ou menos programada. Em boa verdade, trata-se de uma coincidência, já que estamos perante produções concretizadas praticamente em simultâneo. Em França, para evitar uma exibição demasiado próxima de ambos os títulos, o lançamento do filme de Kounen (que, em princípio, deveria acontecer logo depois de Cannes) foi mesmo transferido para Janeiro de 2010.
Se a comparação é inevitável, então importa sublinhar que Coco Chanel & Igor Stranvinsky consegue evitar as facilidades da biografia mais ou menos determinista (e televisiva) que tanto limitavam o trabalho de Anne Fontaine. Em boa verdade, é discutível que estejamos perante uma narrativa estritamente “biográfica”, quanto mais não seja por que a relação amorosa entre Coco Chanel (1883-1971) e o compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971) tem mais de especulação romanesca do que de registo histórico. Aliás, o filme baseia-se, precisamente, num romance (Coco & Igor) sobre esse “affaire”, da autoria do inglês Chris Greenhalg, também responsável pela respectiva adaptação cinematográfica.
O maior mérito do filme de Kounen (nome do cinema francês nascido em 1964, em Utrecht, Holanda) decorre do seu laborioso intimismo. Assim, em vez de procurar “provas” para sustentar a sua ficção, Coco Chanel & Igor Stravinsky prefere assumir o simples facto de qualquer retrato psicológico envolver um misto de especulação emocional e pesquisa estética. Fundamental é, por isso, a delicada direcção de actores: Anna Mouglalis compõe uma Chanel secreta e apaixonada, mas também símbolo inevitável de uma nova “condição feminina”, enquanto Mads Mikkelsen (actor dinamarquês que assumiu o papel do vilão com que James Bond se confrontava no Casino Royale de 2006) nos expõe um Stravinsky em que coexistem a vertigem da paixão e o tenaz racionalismo da criação artística. Só por eles, vale a pena descobrir o filme.